por Álvaro André Zeini Cruz

1. Não, não olhe! – Jordan Peele – EUA
O olhar espelha e revela o sujeito. Não! Não olhe! […] É preciso desviar do horror e usar o olhar como fala, como comunicação. Então, na mise en scène dos duelos, O.J., o cowboy, e Emmerald, a motociclista, se olham.
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2. Armageddon Time – James Gray – EUA
Ao final de Armageddon Time, Paul entende que para estar num mundo melhor, mais justo, terá que dar as costas para certas salas, sejam elas de aula ou de jantar (com pessoas ocupadas em nascer, ler A Arte do sucesso e morrer). No classicismo contemporâneo de James Gray, a moral é uma questão de travellings (out).
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3. Bem-vindos de novo – Marcos Yoshi – Brasil
Incessantes, as esteiras das fábricas produzem um movimento relativo, que distrai o fato de que os corpos e os desejos passam, de que sonhos se esvaem em ausências e vidas apertadas. Traumatizam as filhas, anestesiam os pais. […] Yoshi encerra filmando como Ozu: a rotina não tem seu encanto.
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4. Os Fabelmans – Steven Spielberg – EUA
A luz muda tudo. É preciso ver os filmes para olhar a vida. Spielberg acerta três consecutivas.
5. Benedetta – Paul Verhoeven – França
A imagem religiosa é lapidada como um falo; o corpo de Cristo é o corpo da freira. Benedetta suga o seio de uma imagem: perversão ou tentativa de prover-se de alimento? Verhoeven entrelaça fé, poder, prazer e peste para mostrar que mesmo ver e amar pode não ser o bastante para crer. Benedetta conta com a devoção, mas não com a fé cega de quem mais ama. Isso porque é Cristo, mas é mulher.
6. Crimes do futuro – David Cronenberg – Canadá
[…] num close-up digno de Dryer, Viggo Mortensen inclina a cabeça e, como Falconetti, olha para o alto. Fecha os olhos e, como Joana D’Arc, derruba uma única lágrima. Então, os olhos reabrem e marcam a diferença definitiva entre as cenas de Dreyer e Cronenberg: desta vez, não são olhos vazios, abandonados nesta terra de ninguém, mas os primeiros a refletirem um lampejo, o encantamento com uma descoberta que não se sabe o que é, nem se está no universo acima ou dentro do corpo.
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7. Avatar: o caminho da água – James Cameron – EUA
Ser ou não ser? Não há lugar para Hamlet desde a cena em que o vilão-Avatar estraçalha seu crânio humano. O “ser” neste filme de Cameron demanda complemento: o que é ser pai? Mãe? Filho? Lar? Cameron se desfaz do épico do primeiro filme e mergulha (literalmente) no melodrama familiar, aproveitando da forma episódica do gênero para passar pelo seu e por outros cinemas. O clímax passa por Aliens, Titanic e deságua em Ponyo. Avatar parece um filme da velha Hollywood que quer abarcar todo o cinema (o futuro, inclusive). Afinal, o caminho da água não tem começo nem fim.
8. Aftersun – Charlotte Wells – UK
Em Aftersun, a entrevista, com câmera VHS, que Sophie faz com esse pai incógnito (O que ele faz? Do que vive?) acerca do futuro reduplica o homem, mas não soluciona seus mistérios: ele é um vulto na tela da televisão e uma imagem interrompida no espelho. Por ironia, o plano que introduz essa cena volátil é absolutamente háptico: a blusa amarela e as meias encharcadas penduradas sob o sol na grade da sacada. É a imagem mais estável do filme de Wells; as roupas da menina (no quadro em tripé) sob a luz não desbotada desses dias com o pai.
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9. Aline – Valérie Lemercier – Canadá
O amor entre agendas; ou por causa delas. Os anos passam como uma brisa nos cabelos, mas também escorrem como areia entre os dedos. Biografia musical arejada, que consegue se sair bem até nos sumários narrativos/musicais.
10. Belle – Mamoru Hosoda – Japão
Hosoda se repete no universo, mas a temática das perdas avança para algo inédito em seu cinema – a violência não do destino, mas dos homens. É uma releitura de A Bela e a Fera (com toques de A Pequena Sereia) em que, mais do que quebrar a maldição da Fera, é preciso romper o avatar da Bela para que, assim, as essências se encontrem numa salvação.
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2 repescagens de 2021, vistos só em 2022.
Encanto – Byron Howard, Jared Bush – EUA
Mais do que a jornada, é a promessa de Mirabel que se completa quando ela descobre que seu dom é querer saber sobre si e sobre os seus (poder simbolizado na maçaneta, que conclui a reconstrução e abre as portas da casa). É provável que seja a melhor animação musical da Disney desde Aladdin (1993). De quebra, esbarra em questões de outro filme recente: o também encantado Madres Paralelas, de Pedro Almodóvar.
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Minhas férias com Patrick – Caroline Vignal – França
Num momento digno das sequências de aeroportos (ou estações) em comédias românticas, quando uma parte tenta evitar o embarque da outra, burro e professora correm, um em direção ao outro. O zurro de Patrick, a corrida desajeitada, o abraço de Antoniette, o beijo grato que ela dá no focinho do burro, culminam no mais terno dos planos, aquele que coroa a interpretação de Calamy (estranha e radiante) e que contorna a aspereza inevitável do filme de Caroline Vignal – num mundo de jornadas solos, Patrick é um bom companheiro. Em um encontro como esse, a montagem é proibida.
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Interpretações
- Virginie Efira – Benedetta
- Laure Calamy – Minhas férias com Patrick
- Valérie Lemercier – Aline
- Keke Palmer – Não! Não olhe!
- Frankie Corio – Aftersun
- Florence Pugh – O Milagre
- Anne Hathaway – Armageddon Time
- Léa Seydoux – Crimes do Futuro
- Alana Haim – Licoricce Pizza
- Camila Damião – Marte Um
- Gong Seung-yeon – Aloners
- Daniel Kaluya – Não! Não olhe!
- Austin Butler – Elvis
- Paul Dano – Os Fabelmans
- Paul Mescal – Aftersun
- Viggo Mortensen – Crimes do futuro
- Banks Repeta – Armageddon Time
- Jeremy Strong – Armageddon Time
- Gabriel LaBelle – Os Fabelmans
- Daryl McCormack – Boa sorte, Leo Grande
- Sylvain Marcel – Aline
- John Turturro – The Batman