por Álvaro André Zeini Cruz
(spoilers!)

O.J., jovem, negro, quarta geração de uma família de adestradores; cavalos cinematográficos treinados por um cowboy desmontado, marginalizado (“seu nome é O.J.?”, pergunta a estrela decadente, tão caquética quanto racista).
Seu defeito – ou missbehavior – é a pulsão do olhar e a dificuldade no falar. O.J. precisa da irmã Emmerald para se comunicar.
O pai de O.J. e Emmerald é assassinado por um nickel, moeda da onde deriva o nome Nickelodeon (salas de exibição baratas do início do cinema). Uma outra chacina abre o filme, mas é televisiva.
40 anos depois de E.T. (bichinho amigável, de coração quente, raridade na época), o alienígena aqui engana: o que parece ser a nave, é o próprio monstrengo, que, de novo, não é o que parece – o inumano é uma tela, que se abre monstruosamente.
Essa tela-monstro tem boquinhas; abrem-se como as do Alien de Ridley Scott, mas num quadrado, uma espécie de visor, que serpentina “dentes” aparentemente feitos do verde dos chroma-key.
Nesse Velho Oeste já conquistado e abandonado, resistem os negros, o latino, o sul-coreano.
O digital é um aliado, mas não basta. A câmera que resiste e captura é como a dos Lumière; independe de energia elétrica.
O homem com a câmera é um Spielberg disfarçado de Cronenberg. Ou talvez disfarçado de algum personagem de George Lucas. Não importa: a busca hitchcockeana pela luz perfeita colocará tudo a perder. A política dos autores de nada vale aqui.
A televisão ressurge no videomaker – “Fuck, guys. Is TMZ”. Voz metálica, capacete platinado, rosto especular. Reflexos assustam, como demonstram o coice do cavalo e os outros filmes de Jordan Peele. A 100 por hora, capotam.
O olhar espelha e revela o sujeito. Não! Não olhe!
Essa impossibilidade do olhar torna também impossível domar a fera. É preciso derrotá-la. A sobrevivência depende da resistência ao defeito inicial, à pulsão do olhar.
É preciso desviar do horror e usar o olhar como fala, como comunicação. Então, na mise en scène dos duelos, O.J., o cowboy, e Emmerald, a motociclista, se olham.
No clímax posto no vaudeville, os tiros partem das câmeras primitivas instaladas na atração. De volta à fotografia, a tela se rasga.
Suspeito que haja uma história inteira do cinema em Nope. Na incapacidade de escrever um texto de verdade, lembrei das listas de Umberto Eco e juntei esses frangalhos. Uma hora ou outra, talvez se costure uma tela. Por ora, talvez seja preciso contradizer repetidamente a tradução.
Olhe!