Por Phillippe de C. T. Watanabe
Durante a História, muitas pessoas foram perseguidas e apontadas como bruxas. O medo e a conveniência costumavam guiar essas acusações. As mulheres apontadas como bruxas não admitiam o papel que a sociedade lhes impunha, subvertiam a lógica reinante e expunham suas opiniões, independente do preço que lhes seria cobrado. Talvez, por isso, durante inúmeros momentos de Olive Kitteridge (EUA, 2014), principalmente em sua segunda metade, a protagonista da minissérie dirigida por Lisa Cholodenko receba o apelido de bruxa.
Olive Kitteridge foi baseado no romance homônimo ganhador do prêmio Pulitzer de ficção de 2009. A série trata da história dos Kitteridge, família simples do Maine, EUA, que, mesmo com empregos respeitados na pequena cidade onde vivem, não possui grandes aspirações. A falta de sonhos parece, inclusive, uma característica geral da cidade, mais parecida com um depositório de pessoas que desistiram da vida ou que estão destinadas a não ser mais do que já são. Até mesmo as crianças demonstram dificilmente conseguir escapar do que está desenhado para elas (o garoto na sala de detenção praticamente prevendo seu futuro ao desenhar uma pessoa esquartejada).
A cidade em que se passa a minissérie pouco aparece. Tudo que sabemos é que todos que ali vivem parecem possuir certas características:a tristeza, a falta de perspectiva, as tragédias que, inevitavelmente, acabarão acontecendo, e a depressão. A resposta encontrada para tudo isso é suicídio.. Uma cena interessante acaba por mostrar que as próprias pessoas provenientes da cidade, mesmo que de forma inconsciente, possuem clareza sobre esse fato. Uma garota que se encontrava triste apanhava flores murchas próximo a um pequeno penhasco virado para o mar. Ela, por conta do forte vento, acaba escorrendo e quase se afogando. Após estar em segurança, o homem que a resgatou, Kevin, surpreende-se ao saber que o ocorrido não fora uma tentativa de suicídio.
A cidade está doente. Todos apresentam traços psicológicos ou atitudes que apontam para pequenos ou grandes desvios mentais. Isso torna muito interessante a relação dos Kitteridge com o resto da cidade. Henry possui uma farmácia, aparentemente a única da região. Olive é professora de matemática da também única escola das redondezas. Enquanto um cura a cidade adoecida, outra tenta passar lições lógicas, ensinar e mostrar um caminho. As escolhas dos dois, porém, afastam-se em seus métodos. Henry é simpático e atencioso com todos a sua volta, sempre buscando contemporizar; Olive, ao contrário, é ríspida, demonstra impaciência, dificilmente parece estar feliz e fala exatamente o que pensa, não parando, em nenhum momento, para analisar os efeitos de suas palavras. Ambos dirigem um ao outro o mesmo tratamento, o que, durante quase toda a história, aparenta uma constante crise.
Dentre as diversas personagens que nos são apresentadas durante os 4 episódios que compõem a minissérie, uma das mais interessantes é Jim O’Casey. Mesmo não se distanciando do padrão presente na cidade, ele parece ser mais lúcido quanto ao que ocorre ao redor. Contudo, tal consciência não se transforma em ações, parando em citações de autores e discursos. Talvez por conta dessa inércia, O’Casey se entrega à bebida, o que ocasionará sua morte em um acidente repentino o bastante para se considerar sua intencionalidade.
A minissérie é inteiramente construída a partir de saltos temporais. Já nos primeiros momentos somos apresentados à ideia de suicídio. Olive caminha por uma floresta de folhas secas e, com uma arma, carregada com uma bala, prepara-se para colocar fim à vida. O salto para 25 anos no passado começa a nos apresentar a trajetória de Olive, ao longo da qual veremos como a protagonista ajudou a construir seu próprio isolamento até o crítico momento da tentativa de suicídio. A passagem de anos mostrada na história precisa vir acompanhada de mudanças físicas, o que a equipe de arte trabalha muito bem. Não há exageros no rejuvenescimento ou envelhecimento das personagens, algo que ajuda a construir a verossimilhança da história.
Um ponto ao longo dos episódios acaba incomodando. Mesmo o centro da minissérie sendo a família Kitteridge, todas as outras personagens que, em algum momento, ganham certo destaque, em seguida, são esquecidas na história, não possuindo grande importância além da caracterização projetada da população da cidade e rastros nas vidas dos Kitteridge. Talvez a única exceção seja O’Casey, que permanece na memória, pelo menos, de Olive. Cria-se, então, uma galeria de personagens interessantes que, ao invés de interferir na história principal, parecem servir apenas de apoio ao elenco principal. Isso se torna cada vez mais frustrante, conforme o espectador percebe que nenhuma personagem fora da família Kitteridge será realmente relevante.
Finalmente, é curioso pensar no nome recebido pela série. Por mais que se fale, de forma geral, da família Kitteridge, é Olive que se mostra como a coluna de sustentação dessa estrutura familiar. São suas palavras, mesmo que duras, que incentivam o seu filho a ir além, é ela que cuida do jardim, deixa-o bonito, mesmo após um longo inverno, e o mantém limpo para que todos possam passar por ele sem preocupações; é ela que fala o que precisa ser dito, mesmo que, às vezes, trate-se apenas de grosseria. Olive é a resistência, a guardiã da família, aquela que sobrevive, luta contra tudo, e olha por todos, mesmo quando não há mais ninguém.