Por Phillippe de Campos Thiers Watanabe
O lobo é uma temível figura corriqueira no imaginário infanto-juvenil. Muitas das histórias de ninar mais conhecidas e contadas possuem, como antagonista, um cruel lobo que acabará com a tranquilidade de todas as personagens.
O Lobo Atrás da Porta (Brasil, 2013) trata do desaparecimento, e possível sequestro, de uma garota. O filme, já em seu início, apresenta-nos essa realidade conforme Sylvia, vivida por Fabíula Nascimento, depara-se, na creche onde deixava a filha, com a notícia de que uma suposta amiga teria aparecido mais cedo para buscar a criança. A partir disso, inicia-se um filme baseado em depoimentos dados a um detetive, interpretado por Juliano Cazarré. Com isso, ao contrário das histórias de ninar, todo o terror, um dos sentimentos que possivelmente melhor descreva a ideia do rapto de um conhecido querido, vivido e apresentado não se concentra diretamente na criança presente na trama, mas nos adultos.
Todos os atores principais parecem se sentir bem nas peles vestidas. Milhem Cortaz, interpretando Bernardo, marido de Sylvia, com um sorriso simpático, parece inofensivo até o momento em que se revela um perigoso homem disposto a tudo para não ver ruir o que ele considera ser uma família feliz; suas atitudes também podem deixar transparecer simplesmente uma necessidade de domínio, poder e controle sobre os que estão à sua volta. Fabíula Nascimento, Sylvia, mostra-se totalmente desnorteada com o rumo tomado por um dia que deveria ser igual a todos os anteriores de sua vida; percebemos nela, também, a insatisfação carregada quanto ao cotidiano. Por fim, Leandra Leal interpreta Rosa, uma jovem alegre que, envolvida com Bernardo, acaba se transformando – ou talvez se mostrando – uma pessoa questionável e sem escrúpulos. Rosa é uma personagem que acaba mudando na visão do público conforme evolui a narrativa. Inicialmente, parecendo alguém inocente, aos poucos, revela-se tão perigosa quanto os outros. No filme, todos são lobos em busca da presa certa.
O diretor Fernando Coimbra seguiu um caminho interessante ao privilegiar planos longos, que possibilitam que a cena tenha um ritmo ditado pelos atores, acabando por destacar suas atuações. É interessante ver o funcionamento dessa escolha em cenas mais tensas, nas quais a câmera calma e com movimentos mínimos contrasta com o momento apresentado. Entre estas, uma em especial se mostra sufocante: Bernardo, extremamente agressivo, questiona Rosa sobre um suposto encontro e uma conversa que ela teria tido com Sylvia. Em meio a gritos e violência, a câmera se mantem em um plano geral. A distância mantida parece nos tornar mais vulneráveis ao que nos é mostrado.
Merece destaque o trabalho realizado pelo diretor e pelo diretor de fotografia, Lula Carvalho. A câmera parada e fria por longos períodos é um ótimo modo de mostrar o mundo, na maior parte do tempo, sem vida das personagens. Além disso, no começo do filme, toda desconfiança que cerca as relações entre as personagens fica refletida nos planos que evitam mostrar rostos, seja cortando-os ou ignorando sua face, o que, de certa forma, pode lembrar um pouco a visão de mundo de uma criança, que, para ver o rosto de um adulto, precisa querer fazê-lo, olhar pra cima em busca de faces conhecidas. O estranho e o culpado estão por todas as partes.
O Lobo Atrás da Porta apresenta um mundo cruel, sem a mínima piedade, seja de quem for. Mesmo o detetive, que, em muitos momentos, serve como uma forma de alívio cômico para trama, carrega, em seu humor e em suas atitudes, um tom de maldade e brutalidade. No mundo que nos é apresentado, os lobos não precisam derrubar portas, pois já possuem as chaves da entrada.