Listas críticas 2023

No final de 2022, convidei colegas da crítica a submeterem listas com textos que considerassem essenciais em suas formações no ofício. A ideia era que, disso, surgisse um mosaico referencial, com repertórios, formações e sensibilidades, o que se consumou, e está registrado aqui. Mas, toda lista — como aquela e como esta que apresentamos agora — tem suas limitações. É o “mal” das listas com pontos finais postos por terceiros: elas são imobilizadas numa hierarquia e finitude. A lista pode até mudar para quem a elaborou, mas sua publicação calcifica aquela ordem.

Contudo, listas também podem ser corredeiras abertas, com títulos e palavras escorrendo, não como um fim, mas como um meio que se retroalimenta. Não é pretensão de listas desse tipo estabelecer verdades para além das momentâneas, mas, sim, capturar uma verdade, registrada sob a consciência das mutações futuras. Neste exercício que se apresenta, talvez tenhamos um híbrido do que Umberto Eco chama de listas práticas e listas poéticas, uma vez que há pragmatismo no fato de que elaboramos algo com um objetivo claro, que ficará registrado nas páginas da Pós-créditos. Por outro lado, há um caráter poético, já que, embora estas listas nasçam de permanências nas vidas dos autores, impõe-se (pela própria cinefilia) a compreensão de que as listas continuarão avançando (mesmo que não tomem forma na folha), no sentido de que, como diz Eco, “a quantidade de itens é vasta” e existe “prazer […] na enumeração infinita”. Em suma: apresentam-se aqui listas práticas, mas o desejo é sempre por listas poéticas

Aviso que há um elefante (desimportante, um elefantinho) na sala: as listas vieram com tamanhos distintos. Isso se deve graças à incompetência deste editor em organizar e-mails e, consequentemente, o briefing acerca delas (mas ao invés de pedirem a cabeça deste que aqui trabalha por puro amor e teimosia, encarem como uma incompetência bem-vinda, que ampliou as possibilidades). Feita essa mea-culpa, e abraçando o caráter poético, sigo na posição de interferir o mínimo possível nos textos enviados (meu papel aqui se restringe a convidar, compilar e fazer esta apresentação), e deixo aberto aos colaboradores a possibilidade de fazerem acréscimos, caso assim desejarem.

Para não me estender mais — e não postergar o núcleo desta publicação: as listas! —, reitero a provocação que fiz a cerca de 50 colegas da crítica (não me atrevo a cravar um número, pois os e-mails foram enviados em compêndios e momentos distintos): quais textos foram importantes/marcantes nas formações e trajetórias críticas de cada um? Nove colegas responderam ao chamado, compondo este novo mosaico (que se soma ao anterior) de textos — e tudo o que há dentro deles. Os contrastes, diálogos e outras possíveis inter-relações ficam a cargo de quem nos lê. Agradeço a generosidade e o esforço (listas são um exercício árduos) dos que se dispuseram a partilhar palavras, olhares e, claro, uma ordenação, aqui posta como prática (porque não há outro jeito), mas sob a certeza de que se reordenarão (inclusive pelos olhares-leitores) noutras poéticas.

As Listas Críticas 2023 foram escritas por Bianca Zasso, Duarte Mata, Euller Felix, Francis Vogner dos Reis, Leticia Weber Jarek, Miguel Haoni, Pedro Butcher, Regina Gomes e Roberto Cotta.

Formiga Elétrica – www.formigaeletrica.com.br

The Western as Philosophy, de Thomas Wartenberg

O texto que me convenceu a realizar um projeto de doutorado focado na filosofia do cinema e no western, esse gênero com grande potencial filosófico, nas palavras de Wartenberg.

Os mestres e seus princípios, de Ivonete Pinto

Publicado na Revista Teorema nº 6, o texto traça um paralelo entre o filme Five, de Abbas Kiarostami, e O Quinto Império – Ontem como Hoje, de Manoel de Oliveira. O ano era 2004 e eu, uma garota de 17 anos descobrindo o cinema iraniano e o desejo de ser crítica. Seminal na minha formação.

A linguagem secreta do Cinema, de Jean-Claude Carrière

O livro foi presente do meu orientador na graduação e na pós em cinema, Bebeto Badke. Fez a minha cabeça e o meu olhar. 

Ensaio sobre Análise Fílmica, Anne Goliot-Lété, Francis Vanoye

Sempre revisito e indico. Essencial para críticos e cinéfilos. 

Escreveu para o À Pala de Walsh – https://apaladewalsh.com

O amor na morte [A fronteira do amanhecer (2008) de Philippe Garrel], de Luís Miguel Oliveira

https://planodeconjunto.blogspot.com/2023/11/o-amor-na-morte-fronteira-do-amanhecer.html

“O último plano, o plano em que Garrel (Philippe) mais longe está da sua personagem, como se para se desfazer de mais um duplo, é totalmente oferecido à fé do espectador: sim, reencontrou Laura, num mundo de sombras inacessível à câmara; ou não, era apenas um miúdo meio palerma que pagou caro o seu romantismo infantil. Vai dar ao mesmo. No cinema, pelo menos, vai sempre dar ao mesmo.”

Bonjour, Tristesse (1957) de Otto Preminger, de François Truffaut

https://drive.google.com/file/d/1E3dbGcxseR7JCKT3TiuBd6KMfDuP6Y8X/view?usp=sharing

“O cinema é uma arte da mulher, isto é, da actriz. E o trabalho do realizador consiste em fazer que mulheres bonitas façam coisas bonitas. Para mim, os grandes momentos de cinema são aqueles onde os dons do realizador se misturam com os dons de uma actriz: Griffith e Lilian Gish, Sternberg e Marlene Dietrich, Fritz Lang e Joan Bennet, Renoir e Simone Simon, Hitchcock e Joan Fontaine, Rossellini e Anna Magnani, Ophuls e Danielle Darrieux, Fellini e Giulietta Masina, Vadim e Brigitte Bardot. Agora, podemos adicionar Preminger e Jean Seberg à lista.”

Certain Women (2017) de Kelly Reichardt, de Serge Kaganski

https://www.lesinrocks.com/cinema/certaines-femmes-18523-17-02-2017/

“Desde o primeiro plano, Kelly Reichardt impõe a sua força tranquila. Numa paisagem vasta westerniana acinzentada, um comboio chega de longe e corta o ecrã na diagonal, como um comboio dos irmãos Lumière em La Ciotat. Sentido do enquadramento, do espaço, da luz e da justeza da duração, tudo já lá está, naquele plano vibrante, mesmo que nada aconteça. Esta forma de lançar uma pista dramatúrgica, para depois deixá-la assentar na mente do espectador, não fechando nada de forma definitiva, é típica da narração elíptica de Reichardt, da sua maneira de dizer mais através de gestos, expressões faciais, dobras da história, da encenação, do que pelas palavras. Este método é levado ao seu apogeu na terceira parte, onde o diálogo entre a professora e a sua aluna é puramente funcional, enquanto a verdadeira questão da sua relação reside nos seus silêncios, nas suas palavras não ditas, nos seus olhares.”

The Conjuring 2 (2016) de James Wan, de Luís Mendonça

https://apaladewalsh.com/2016/06/the-conjuring-2-2016-de-james-wan/

“Ver um novo filme de Wan é subir sempre dez degraus em relação ao que os outros estão a fazer. Tudo devém caduco, já visto, privado dessa tal electricidade que nos faz agitar o espírito: o Cinema. Neste momento – e se calhar neste ano -, não se faz maior elogio a Ele, nas nossas salas. Até apetece escrever: nestes dias, não encontro melhor sinónimo para cinema que James Wan.”

Dialogue of a Schizocritic, de Andrew Sarris

https://letterboxd.com/notandrewsarris/list/dialogue-of-a-schizocritic-1962/

“A. I’ll give you just three words to sum up your conception of the cinema as reflected in all these bad movies.

B. Girls! Girls! Girls!

A. The truth is out at last.”

Excessive Use of the Force [Star Wars (1977) de George Lucas], de Jonathan Rosenbaum

https://jonathanrosenbaum.net/2021/12/excessive-use-of-the-force/

“‘But you’ll have to admit,’ I can hear some Star Wars fans insisting, ‘it’s beautifully put together.’ In 1944 George Orwell wrote, ‘The first thing we demand of a wall is that it shall stand up. If it stands up, it is a good wall, and the question of what purpose it serves is separable from that. And yet even the best wall in the world deserves to be pulled down if it surrounds a concentration camp. (…)

Now let me be fair. Star Wars may be a wall, but it doesn’t surround a concentration camp. It surrounds a kind of moviemaking and a kind of humanity that it has been supplanting and making irrelevant (and milking) for the past 20 years. The success of this movie convinced studio heads that movies should be made to sell merchandise (the major point of Mel Brooks’s underrated lampoon Spaceballs), that antisocial ten-year-old boys are the viewers to target, and that anyone who thinks otherwise about movies can take a hike. ’”

Para além das estrelas [Bitter Victory (1957) de Nicholas Ray], de Jean-Luc Godard

https://letterboxd.com/cahiers/film/bitter-victory/

“Havia o teatro (Griffith), a poesia (Murnau), a pintura (Rossellini), a dança (Eisenstein), a música (Renoir). Agora há o cinema. E o cinema é Nicholas Ray. (…)

Como é que alguém pode falar de um filme assim? De que adianta dizer que o encontro entre Richard Burton e Ruth Roman sob o olhar de Curt Jurgens é editada com um brio fantástico? Talvez esta tenha sido uma cena onde os nossos olhos se tenham cerrado. Pois Bitter Victory, como o Sol, faz-nos fechar os olhos. A verdade cega.”

Qualquer texto de Ricardo Vieira Lisboa

https://apaladewalsh.com/author/rmpvlx/

A Resposta de Nicholas Ray [Party Girl (1958), Nicholas Ray], de Fereydoun Hoveyda

“Party Girl tem uma história idiota. E então? Se o substrato do trabalho cinematográfico fosse feito apenas de desenrolares de enredos no ecrã, então podíamos apenas anexar a Sétima Arte à literatura. (…) Party Girl chega no momento certo para nos lembras que o que constitui a essência do cinema é nada mais do que a mise en scène. É a mise en scène que dá expressão a tudo no ecrã, transformando, como por magia, um argumento escrito por outro e imposto ao realizador em algo que é verdadeiramente um filme de autor.”

You’re Gonna Be Redeemed: The Jersey Noir and Western Fable of James Mangold’s ‘Cop Land’ [Cop Land (1997) de James Mangold], de Travis Wood

https://cinephiliabeyond.org/youre-gonna-be-redeemed-the-jersey-noir-and-western-fable-of-james-mangolds-cop-land/

“You take in these pulp stories of good vs. evil, all these tales of regret and violence and crime and redemption that always manage to catch your eye when you drift into a used bookshop, these dime-store dreams of our worst instincts and our best selves. Stories of frontier towns, of mob-mauled neighborhoods, of innocent people in need of help, of second chances, and the heroes that fight for them. The cowboys. The beat cops. The vigilantes. The hardcases. The crooks-gone-straight. The gumshoe detectives. The sheriff of Garrison, New Jersey.”

Dialéticas da imagem – https://dialeticasdaimagem.com.br

1- bell hooks – o olhar opositivo 

https://foradequadro.com/2017/05/26/o-olhar-opositivo-a-espectadora-negra-por-bell-hooks/

Tenho uma referência para vida que abrange vários campos, a educação e o cinema, bell hooks. Nesse texto ela demonstra o quanto o nosso olhar pode transformar a realidade em que vivemos e, por conseguir, o próprio cinema. 

2- Carol Almeida – A cura pelo cinema 

https://foradequadro.com/2018/10/12/a-cura-pelo-cinema/

A Carol Almeida é uma referência incontornável pra mim. O fora de quadro é um site com diversas reflexões importantes sobre o cinema. Esse texto em questão fala sobre curadoria e há uma frase no site da Carol que guia bastante as minhas reflexões: sobre que imagens precisamos falar? 

3 – Heitor Augusto – Problema só dos filmes ou o problema também somos nós?

https://ursodelata.com/2017/02/09/problema-so-dos-filmes-ou-o-problema-tambem-somos-nos-mostra-de-tiradentes/

4 – Juliano Gomes – Carta ao Heitor (ou desculpe a bagunça ou ao mesmo tempo)

http://revistacinetica.com.br/nova/carta-ao-heitor-ou-desculpe-a-bagunca-ou-ao-mesmo-tempo/

Esses dois textos fazem algo que falta muito na crítica: debates de pessoas e com ideias incríveis. Tanto o texto do Heitor quanto a resposta do Juliano e as demais respostas que surgiram depois me fazem pensar sobre o cinema (arte, fazer, criticar). 

5 – Victor Guimarães – Variações a partir de um autorretrato da crítica brasileira

http://revistacinetica.com.br/nova/victor-autorretrato-critica-2020/

Esse texto do Victor Guimarães é uma aula sobre cinefilia, cânones e crítica. A Cinética cumpre um papel muito importante na minha formação enquanto cinéfilo e crítico. 

6- Marcelo Miranda – Mojica, cronista atemporal da brutalidade

http://revistacinetica.com.br/nova/marcelo-miranda-mojica/

O Marcelo Miranda é um amigo e um crítico que admiro muito. Esse texto em que ele fala sobre José Mojica Marins e sobre como seu filme/personagem representam uma crônica do período em que o filme foi produzido/lançado, o ano de horror de 1964. 

7 – Francis Vogner dos Reis – O autor é uma ficção?

http://revistacinetica.com.br/nova/francis-mojica-autor/

O Francis é uma referência por si só. Esse texto faz parte de um livro que é pedra fundamental da crítica brasileira: O autor no cinema – Jean Claude Bernardet e Francis Vogner dos Reis. Nessa edição da cinética ele republica esse capítulo com reflexões sobre José Mojica Marins. 

8 – Juliano Gomes – Vaga Carne ou a paz veste branco

http://revistacinetica.com.br/nova/vaga-carne-ou-a-paz-veste-branco/

Novamente Juliano Gomes na minha lista. Aqui ele discute um dos filmes mais importantes dos últimos tempos. As leituras que surgem daqui fazem de Corra! Aumenta e potencializa ainda mais o filme. 

9- José Geraldo Couto – O espetáculo da Guerra 

https://blogdoims.com.br/o-espetaculo-da-guerra/

Esse texto de Zé Geraldo é uma aula de como se fazer crítica. Se você parar com calma e analisar esse texto vai ver que absolutamente tudo que é importante de se ter em uma crítica está nesse texto. 

10 – Ivonete Pinto – O terror social em As Boas Maneiras 

https://www.accirs.com.br/o-terror-social-em-as-boas-maneiras/

As Boas Maneiras é um filme dos anos 2010 que eu acho emocionante, lindo e representativo. Aqui a Ivonete Pinto faz uma reflexão sobre o filme, o gênero e às questões sociais que o filme (e o cinema como um todo) aborda. 

Os textos da minha pré-história crítica

Os filmes da minha vida, de François Truffaut

Aos doze ou treze anos já interessado em cinema eu ia à biblioteca local para procurar livros e revistas sobre o assunto. Li a Cinemin, edições antigas da revista Set e o livro do Marcel Martin sobre linguagem cinematográfica do qual não reti absolutamente nada. Já conhecia Truffaut por causa de um pequeno texto na Set e me parecia um cara importante e inteligente, mas não tinha ainda acesso aos seus filmes (teria pouco tempo depois, via TVE-RJ). Encontrei numa prateleira “Os filmes da minha vida” e levei pra casa. A ideia de relacionar, como espectador, os filmes à vida tinha sentido naquele momento em que o cinema me fazia experimentar muitas emoções e me colocava em contato com imagens e ideias inauditas. Os heróis do Truffaut eram os diretores que eu passei a entender naquele momento como os demiurgos possíveis. Alguns dos diretores abordados eram também seus amigos, seus colegas e eu conhecia alguns filmes dos nomes mais conhecidos, como Hitchcock. A maioria eu não sabia quem era, mas sonhava em conhecer seus filmes. Às vezes o amor pelos filmes vem antes dos filmes. 

O que é o cinema?, de Jean-Claude Bernardet

Primeiro livro de cinema que peguei pra ler aos 12 anos, porque, pelo título, me explicaria “o que é cinema?. Falava de indústria e ideologia. Achei chato, frio e inconveniente. Queria eu uma explicação para o fascínio, não para a realidade material, técnica e econômica do cinema. Insisti e li quase todo. Foi um balde de água fria. Foi importante porque aprendi a ler (e aceitei ler) o que eu não entendia completamente, o que me guia ainda hoje. Mas entendi uma coisa, também incontornável: o cinema era mais do que meu fascínio e meus afetos pessoais. Haviam coisas nada deslumbrantes que definiam a sua realidade.

Deus e o diabo na terra do sol, Cléber Eduardo (no Diário Popular) 

Não me lembro o nome do texto, mas foi publicado na coluna do filme do dia na TV do finado Diário Popular, ao lado da página dAs Boas do Arley, que trazia todo sábado (ou todo dia?) uma gata nova de fio dental. Via As Boas do Arley e ao lado a programação de filmes na televisão que poderia me salvar do tédio do fim de semana. Deus e o diabo na terra do sol seria exibido na TV cultura à noite.Isso era lá para 1993 ou 1994, talvez. Cléber Eduardo, o crítico do jornal, escreveu que era um dos maiores filmes já feitos e era “um filme de aventura”. Fui ver, pois eu gostava de filmes de aventura como Indiana Jones ou Tudo por uma esmeralda. Por um lado, dei com os burros n’água porque o tempo do filme me exigia outro engajamento e atenção. Mas, de qualquer modo, era uma aventura mesmo, tão ou mais perigosa que Caçadores da arca perdida, com personagens fascinantes e uma dimensão épica e violência que eu nunca tinha visto igual – talvez os westerns chegassem perto em alguma medida. Eu gravei numa fita VHS e voltei a ele outras vezes. Me desarranjou e não sei se gostei, mas a imagem de Antonio das Mortes caminhando sozinho ao som de Sérgio Ricardo, o cego, o transe de Yoná Magalhães e a fúria barroca desenhada por uma dinâmica de câmera e corte pra mim inéditas ressoavam um enigma que a crítica de Cléber me colocou: um filme de aventura. Até hoje esse enigma não está 100% desvendado. 

O Terror Somos Nós, Diz Vampiros, de Inácio Araújo 

Ainda nos anos 1990, meu pai trocou a assinatura do Diário Popular pela da Folha de S. Paulo. Ali o crítico era Inácio Araújo e as sínteses dele me agradavam muito. O lançamento de Vampiros, de John Carpenter me mostrou que eu não estava sozinho e esse crítico, que era o melhor texto do jornal, compartilhava comigo do fascínio pelo cinema do Carpenter, e por esse filme em especial. Eu reli esse textinho muitas vezes e eu o lia para os amigos que gostavam – ou não – de Vampiros. 

Elogio à Paixão, de Inácio Araújo 

Já nos anos 2000 quando dei meus primeiros passos na crítica, leio esse outro texto do Inácio. Era sobre Passion, do Godard. Entendi a modernidade do Godard e do cinema. Começava com a pergunta: cadê a história? Reproduzo um trecho que foi decisivo e que me fez perseguir a crítica como tarefa: “Antes de saber onde está a história, talvez fosse conveniente perguntar o que significa a história para um filme. Ela é não só o estágio em que a literatura sobrepõe-se às imagens, como aquele que rege o ilusionismo cinematográfico: a crença de que vemos algo verdadeiro desfilar diante de nós. Verdadeiro, não. Verossímil. Algo que parece verdadeiro, mas é apenas uma imitação. Como relógio de camelô. Quem sabe bem distinguir os relógios de camelô dos autênticos são os ladrões. E com a arte, com as imagens, como isso acontece? “Passion” é, em um nível, a história dessas dúvidas. História não escrita, mas vivida. Pois, como diz um personagem no filme, histórias não se inventam, é preciso vivenciá-las. É também a história da pintura. O que faz a beleza de uma imagem? Não a violência, mas a solidariedade entre as idéias, diz alguém em dado momento”. 

Os textos decisivos nos primeiros momentos

O gosto da realidade + um mundo de ficções, de Paulo Emílio Sales Gomes (no livro Crítica de Cinema no Suplemento Literário) 

Numa época em que eu lia muito a crítica francesa, esses dois textos de Paulo Emilio foram uma revelação dialética sobre cinema brasileiro, seu tempo e seu desajuste penoso ou criativo. Lição de estilo, mas também me dizia, nas entrelinhas, o seguinte: “os critérios não estão prontos. No cinema brasileiro, trair a realidade é o mesmo gesto de trair a imaginação”. 

Tudo é central! Mas como, se são dois Brasis, de Bernardo Oliveira (Contracampo) 

Início da Contracampo. Bernardo Oliveira cruzava dois Brasis: o da Central e aquele no qual cabia tudo. É o primeiro texto da minha geração que me lembro de ter lido que respondia à Retomada com uma modernidade que erigia uma ponte entre passado e futuro. Era Sganzerla, o moderno, contra Salles, o oficial, tomando partido do Sganzerla. Texto breve, de intervenção, pródigo em inteligência. Foi com esse texto que decidi começar a escrever e assinar como “crítico”. 

Godard anos 90 Nove Zero: do cinema das histórias às história(s) do cinema, de Ruy Gardnier (Contracampo) 

Este texto foi a síntese de tudo o que me era mais caro na experiência ampla do cinema. E tinha estilo, uma voz particular, o que fez toda a diferença. A tarefa crítica de entender sua época, seu lastro histórico e a demanda do futuro. O lugar dos grandes filmes não era o cânone, mas laico como é (ainda) o cinema, era história e o cotidiano, o imaginário tinha força na realidade. Declarações superlativas, mas cheias de verdade: Histoire(s) de Godard era tão grande ou maior do que Finnegans Wake de Joyce. 

Cinema esperanto. Sobre O Messias de Rossellini, de Serge Daney 

Li traduzindo, via dicionário, sem saber o francês. Primeiro encontro com Daney via Rossellini ou com o Messias de Rossellini via Daney. Texto curto, breve, preciso, imensamente inteligente. Daney se tornaria meu pensador fundamental. A falácia que separa cinema e mundo – palavra de ordem dessa anticinefilia nova, castrada e lúgubre – porque aqui o cinema coloca o mundo em perspectiva e em jogo, transfigurando-o. 

A derrota do pensamento crítico, de Serge Daney

É um texto para o qual ainda volto sempre. Daney foi o principal profeta – com Skorecki – que denunciou a contra revolução televisiva. Melancólico, mas não de uma melancolia que entrega os pontos: ele mantém sua vigilância sem cinismo e sem ilusões. Quem não leu, leia hoje. 

Os passos de Marlowe, de Luc Moullet 

O amor pelo cinema americano e o fascínio pelo Fuller rebelde. O prazer pode ser perigoso e vale a pena sempre. A boutade política é menos um insight consequente sobre teoria política e mais o alargamento cognitivo de uma sensibilidade destemida, irônica e radical na sua defesa do cinema como uma arte que pede que olhemos mais para sua “escrita”, pois o sentido muitas vezes está aí no estilo e nos seus procedimentos, muito mais do que na literalidade do texto. 

Rio Bravo, de Luc Moullet 

Diferente de um acadêmico português melancólico e ressentido que me disse que Moullet não tinha rigor epistemológico e era só, no máximo, um humorista, eu vi no humor do Moullet a manifestação do estilo na inteligência (não o contrário). A gente vê melhor o estilo no esforço da síntese. O humor é uma síntese arguta da contradição. Os textos de Moullet, e este em especial, são insinuantes e sempre desafiam a mera articulação inteligente das ideias.

Narrativa contra o mundo, de Tag Gallagher 

É breve e não envelheceu e me parece útil hoje em 2023. As querelas da crítica, da teoria, do estilo e do autorismo desassombradas com a clareza e economia de um exegeta elegante na forma e geralmente cruel e certeiro. 

Geometria da força: Simone Weil e Abel Ferrara, de Tag Gallagher 

Geralmente desconfiamos quando se solicita um pensamento estrangeiro ao cinema (e à arte) para se fiar na análise de uma obra. Aqui Gallagher parte de Simone Weil e encontra um uma mediação filosófica para se aproximar do vampiro Ferrara. A fórmula do gênio: Weil é uma das pensadores que conheço que me parecem menos instrumentalizáveis pelo arbítrio intelectual, Ferrara é um cineasta que se confrontado com ideias radicais temos a liberdade de dobrar a aposta da força de seus filmes, pois no seu cinema temos o nada e o abismo, e no meio disso, a gravidade e a graça. Gallagher desce no abismo acompanhado por Simone Weil, porque em Ferrara a fraqueza mortal do Cristo é mais forte que o poder e a vontade de Ulisses. É o maior texto que li sobre a obra de um autor. 

Os blefes de Mojica, de Jairo Ferreira 

Jairo não era um grande crítico pela performance da sua fala pública, pelo rigor sistemático ou científico. Era herdeiro de Oswald de Andrade, irmão de Torquato Neto, pontiagudo e sem muito senso de responsabilidade com a ordem das coisas (e das ideais). Tinha um tanto de poeta, um cadinho de cronista e um outro tanto de alquimista. Aqui ele falava do cineasta perfeito para o seu talento: Mojica, um bruxo, em que o gênio e o bárbaro não se separam. O grande iconoclasta do sul global. Jairo foi seu maior exegeta, pois metabolizou seu veneno provocativo ao seu modo. Um crítico que se infectou com o veneno do cineasta. Tem gente que acha isso ruim. Mas enfim, crítico não é juiz e nem promotor, não se guia por uma cartilha de regras do bom proceder e sua isenção é meramente imaginária. Ser contaminado por um filme não é mal. É, aliás, uma curtição. 

Mulher inseto, de Jairo Ferreira 

Imamura é um grande cineasta, dos maiores, pouco celebrado. Saiu de moda. Mas antes de sair da moda, não entrou na moda. Jairo antecipou uma moda que não existiu. Prazer, estômago, violência e iluminação. É preciso ainda entender a importância do cinema moderno japonês para radicais brasileiros como Jairo, Reichenbach, Sganzerla, Bressane, Carlos Adriano e também para um lorde como Khouri. Uma sintonia intergalaxial, diria Jairo. 

A câmera cínica, de Rogério Sganzerla 

Eu conheci um grande amigo erudito e professor universitário brigando com ele sobre o Sganzerla crítico. Esse amigo me dizia, mais como provocação do que convicção, que Sganzerla escrevia mal. Glauber era grande, Sganzerla era menor, bem menor. Me incendiou e até hoje quando me lembro digo a ele que não o perdoei. Rogério sistematizou o cinema moderno de maneira muito original e criou categorias breves e únicas: cinema do corpo, cinema da alma, herói fechado, câmera clínica e câmera cínica. Câmera cínica fala do cinema moderno via comportamento, perspectiva e distância da câmera. Ele era muito jovem e o seu talento formidável. Seu cinema estava aí, na câmera como ferramenta da poesia. Damos pouca atenção ao pequeno sistema que um rapaz de 20 anos criou para explicar – inclusive para ele mesmo – o cinema moderno. 

Uma nota sobre textos de mulheres:

A lista dos textos que mais me influenciaram nas minhas origens não conta com críticas escritas por mulheres. Infelizmente minha formação de primeiro momento passou ao largo dos textos que as mulheres escreveram sobre cinema. Como tentei me deter ao processo de formação, precisei ser honesto. A lacuna é um problema meu, obviamente, que reflete um problema na cultura. A meu ver seria falsificar um problema formativo (cultural e político)  tascando hoje um ou dois textos para limpar a minha barra e sair ileso das críticas à minha velha cinefilia. Achei mais justo, e pedagógico para mim e para o leitor, exacerbar a lacuna nada fácil de assumir porque ela demonstra uma fratura geracional, um problema que tem visto esforços para que seja reparado. Muito mais tarde, conheci os textos fundamentais da Maria Rita Galvão, Nicole Brenez, Sylvie Pierre e também de colegas mais próximas em termos de geração. Não coloquei na minha lista textos de teoria – pois eles foram ferramentas posteriores e não originárias – e nesse campo sabemos da presença marcante das mulheres, como Laura Mulvey e Judith Mayne.

Este acréscimo abaixo tem a ver com uma reflexão posterior à construção da lista que fiz acima. Em vez de simplesmente integrar os textos abaixo à esta lista, acho importante deixar demarcada essa contradição, essa falha e essa lacuna naturalizadas durante tanto tempo e que ainda hoje insistem em se impor.

Levando em consideração o caráter formativo da lista elenco aqui um texto e uma fala que para mim foram fundamentais em 2004, mas senti a suas importâncias só muitos anos depois – por isso não vieram à mente de imediato. O texto de uma colega e amiga que me revelou que eu não estava só e me ajudou a fundar uma revista , e a fala de uma das maiores intelectuais da história do Brasil presente nos extras de um DVD quando eu comecei o exercício da crítica.

Entrevista sobre Violência e Paixão, com Gilda de Mello e Souza

Não é texto, mas é a explanação de uma inteligência que primava pelo método e pela argúcia. A fala de Gilda de Mello e Souza sobre Violência e Paixão, de Luchino Visconti é o desfile de algumas das ideias mais exuberantes que ouvi sobre um filme. É dialético quando ela discute a incontornável e inevitável “deformação do olhar do espectador”, não como dado degenerado da percepção, mas como acréscimo ativo do espectador ou espectadora aos filmes. Esse acréscimo é pessoal e histórico, nunca é isento. Ela constrói na sua fala também uma dialética entre autor e personagem (o personagem é e não é o autor), mas também uma distância naquilo que o autor acredita e aquilo que vemos os personagens fazer e falar. Me parece derrubar um tótem contemporâneo sobre arte e representação: os personagens não são modelos de virtude defendidos pelo autor que, na realidade, os execra. Ela inclusive avança sem melindres questionando o lugar comum de que, por ter traços de um debate político, um filme seja necessariamente  “político”. Violência e Paixão seria mais um filme sobre os fantasmas que obturam o mascaram o intolerável perecimento de uma classe. Gilda escreveu “O espírito das roupas: a moda do século XIX”, e dessa visada estética e histórica veio um acréscimo admirável: ela fala que o figurino é tão importante quanto a narrativa e o contraste entre a roupa elegante de Silvana Mangano e sua personalidade vulgar a tornaria uma espécie de “monstro ambíguo”. É uma fala extraordinária em uma entrevista tão ou mais importante que textos críticos que se consolidaram na linguagem escrita sobre cinema.

Link para a entrevista: https://www.youtube.com/watch?v=IMb9nUHv9GY

Tudo é Brasil e O signo do caos, de Lila Foster (para Cineimperfeito)

Éramos um grupo de caras desempregados que publicou uma batelada de textos num site. Quando conheci o texto que Lila, na época estudante de filosofia da USP, escreveu sobre Tudo é Brasil e O Signo do Caos, de Rogério Sganzerla, vi que tínhamos ali alguém que poderia ajudar a dar forma a uma revista. Diferente de alguns colegas, o estilo dela era mais sóbrio e elegante porque soava mais literário e menos resenhístico, tinha um esforço de pensar o Brasil por meio das operações dos filmes e cultivava uma fascinação pelo cinema brasileiro na sua radicalidade mais imaginativa. Eu não possuía o instrumental da jovem Lila Foster, por isso estar perto dela me deixaria mais ávido por ser um pouco mais inteligente. Me identifiquei, encontrei uma amiga e uma colega de trabalho. A partir deste texto e desse encontro, a Cineimperfeito deixou de ser só um site que postava videoclipes que fazíamos para bandas punk do ABC, e passou a ser também uma revista.

Vestido sem costura – blog de cinema – https://vestidosemcostura.blogspot.com / Revista Madonna

Trata-se de uma lista que percorre a minha história com a crítica de cinema. Em Bazin, Rossellini e Daney, estão contemplados artigos como Da abjeçãoO gosto da belezaVaidade da Pintura – quem sabe até Nos passos de Marlowe. É preciso também fazer justiça à Positif: ressalto o artigo de Viviani sobre Joan Crawford, porque nenhuma outra revista francesa se dedicou tanto e por tanto tempo ao estudo do cinema clássico hollywoodiano, reservando também inúmeras páginas a textos sobre Bette Davis, Marlene Dietrich, Margaret Sullavan, Norma Talmadge, etc. Esse artigo representa apenas a ponta do iceberg de uma bibliografia extensa, que é composta por redatores como Yann Tobin, Jean-Loup Bourget, Alain Masson, etc.       

Ainda, indico os livros de Daney, Bürch e Doane por completo, sendo obras que apontaram uma série de direções na minha formação crítica – sobretudo, para entender as limitações da frente representada pelos Cahiers du cinéma. A correspondência entre Judith Cahen e Hélène Frappat representa também apenas o começo de uma conversa crucial: o livro Gaslighting ou l’art de faire taire les femmes, publicado por Frappat em 2023, me parece responder à pergunta de Tatian Monassa quanto à reflexão iniciada em Da abjeção – “será que não tem ninguém pensando no encontro da ética com a estética, colocando em crise a representação a partir desse ponto de vista, dizendo que certas coisas não são representadas? Que certas coisas não podem ser filmadas dessa maneira?”.                

Desses contracampos frequentemente ignorados, na maior parte das vezes femininos, Camille Nevers também lança luz ao problema das atrizes-autoras. No fim dessa lista, talvez fique um pouco evidente a minha afinidade com uma crítica falada, conversada, conjunta: daí a quantidade de entrevistas, correspondências, conferências. Evidente também a ponte que se estabelece entre crítica de cinema e feminismo – por mais que não se queira.

Para compensar a ausência de textos isolados, de trabalhos mais solitários, deixo aqui alguns nomes que foram difíceis deixar de fora: Lea Jacobs (The wages of sin), Alexandre Moussa (De la guerre entre féministes et cinéphiles en général, et d’Iris Brey en particulier), Luiz Carlos Oliveira Junior sobre Um corpo que cai, as pesquisas de Ismail Xavier, alguns artigos preciosos de Françoise Audé, de Jacqueline Nacache, de Claire Johnston, de Ruby Rich, algumas descobertas de Jacques Lourcelles, os textos-sonho de João Bénard da Costa…

1. Defesa de Rossellini, de André Bazin.
Publicado inicialmente na revista Cinema Nuovo, n° 65, agosto de 1955.

2. Livro Le cinéma révélé, entrevistas de Roberto Rossellini (org. Alain Bergala).

3. Livro A casa cinema e o mundo (4. O momento Trafic 1991-1992).
Destaco, sobretudo, os textos Trafic au Jeu de Paume (CdC, n° 458), Journal de l’an passé (Trafic, n° 2) e Journal de l’an présent (Trafic, n° 3).

4. 1930.1939 J. C. Superstar, de Christian Viviani.
Artigo sobre Joan Crawford, publicado na revista Positif, n° 215, em fevereiro de 1979.

5. “Something Else Besides a Mother”: Stella Dallas and the Maternal Melodrama, de Linda Williams. Textopublicado originalmente em Cinema Journal 24, n° 1, outono de 1984.

6. Cinefilia e política, de Noël Burch.
Artigo publicado originalmente na revista La pensée, em 1993. Republicado na coletânea De la beauté des latrines : pour réhabiliter le sens au cinéma et ailleurs, em 2007.

7. The Shadow of Her Gaze, de Mary Ann Doane.
Capítulo do livro The desire to desire: the woman’s film of the 1940s (Macmillan, 1996).

8. Os cineastas franceses e a desobediência civil, de Judith Cahen e Hélène Frappat.
Correspondências publicadas na revista La Lettre du cinéma, n° 2, em maio de 1997.

9. What’s passion got to do with it?, entrevista de bell hooks com Marie-France Alderman.
Publicada no livro Reel to real – Race, class and sex at the movies, de bell hooks (Routledge, 1996).

10. AAA: Des actrices autrices anonymes, conferência de Camille Nevers.
Conferência realizada em dezembro de 2023.

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“Defesa de Rossellini”, de André Bazin (1955)

 o-cinema-ensaios-andre-bazin.pdf (wordpress.com)

“Uma estética da fome”, de Glauber Rocha (1965)

Leia a íntegra do manifesto Uma Estética da Fome, de Glauber Rocha – Vermelho

“Cinema: trajetória no subdesenvolvimento”, de Paulo Emílio Salles Gomes (1973)

cinema-trajetoria-no-subdesenvolvimento-paulo-emílio-sales-gomes.pdf (wordpress.com)

“A borboleta de Griffith”, de Jean-Claude Biette (1986)

Dicionários de Cinema: A borboleta de Griffith, Por Jean-Claude Biette (dicionários cinema.blogspot.com)

“The oppositional gaze: black female spectators” de bell hooks (1992)

 hooks.pdf (ffst.hr)

“Itinerário de um cine-filho”, de Serge Daney (1992)

Serge Daney: Itinerário De Um ‘cine-Filho’ / Serge Daney: Itinéraire D’un ‘ciné-Fils’ (1992) – Documentários – Making Off

“Essa tarde lhe botamos fogo”, de Camille Nevers (1994)

vestido sem costura – blog de cinema: Essa tarde lhe botamos fogo

 “Mesa-redonda: ‘Para Sempre Mozart’, de Jean-Luc Godard” com Judith Cahen, Hélène Frappat, Emmanuel Giraud, Julien Husson e Sandrine Rinaldi (1997)

vestido sem costura – blog de cinema: Mesa-redonda: “Para Sempre Mozart”, de Jean-Luc Godard

“Nostalgia das imagens” de Noël Herpe (2001)

vestido sem costura – blog de cinema: Nostalgia das imagens

“A quintessência da mise en scène”, de Luiz Carlos Oliveira Junior (2010)

6320356.pdf (usp.br)

Valor Econômico – https://valor.globo.com/opiniao/pedro-butcher/

1 e 2. “Da abjeção”, Jacques Rivette, e “A arte de amar”, Jean Douchet

Minha educação formal é no jornalismo. Estudei na Escola de Comunicação da UFRJ, onde o cinema era bem presente, mas não o foco. A educação cinematográfica começou na verdade ainda antes da graduação, nas salas do Cineclube Estação Botafogo. Lá, na sala 16 (que exibia apenas filmes em 16mm), fiz o primeiro curso de história do cinema, dado pelo cineasta Pedro Camargo, professor da PUC. Para a aula sobre Griffith, o professor escolheu mostrar “Intolerância”. Falou da importância de “O nascimento de uma nação”, mas acrescentou que era um filme “racista fdp” (ou algum palavrão parecido). Mais ou menos nessa mesma época, li “Da abjeção”, de Jacques Rivette. Um texto que me causou, ao mesmo tempo, paixão e repulsa. Paixão porque entendi que às vezes basta um plano para disparar a vontade de escrever um texto apaixonado; repulsa porque, na mesma hora, achei uma certa injustiça a acusação personalista de que, por causa desse plano, seu diretor, Gillo Pontecorvo, seria “um homem abjeto”. Conto essa história porque esses dois textos, o de Rivette e o de Douchet, sintetizam para mim a libertação contraditória que a crítica francesa representa. Uma parte da minha repulsa ao texto de Rivette está uma indignação simples: como ele pode dedicar tanta energia e fúria a um plano de um filme de Pontecorvo, que talvez nem merecesse tanta atenção assim, e não demonstrar qualquer repulsa ao racismo abjeto de Griffith, cuja “densidade e plenitude de significação” ele exalta? De certa forma, o álibi para esse posicionamento está explicitado no texto de Jean Douchet, que talvez traga a melhor síntese do que há de mais importante na elaboração crítica segundo os franceses (“a arte de amar”, ou seja, dividir uma paixão com outros, mas com lucidez) e também o que ela carrega como certeza no mínimo problemática: “Visualizá-lo (o cinema) (…) para conduzir um combate ideológico, político, religioso que lhe é estranho, resumindo, inflar o ego ou uma causa, a mais nobre que seja, em detrimento do cinema, trai uma desonestidade intelectual consumada. A arte exige da crítica que ela lhe sirva e não que ela se sirva da arte”. Delicado, aqui, é entender o quanto, ou quando, o “combate ideológico” e sobretudo “político” “lhe é estranho”. Não há resposta fácil. E os melhores textos críticos são assim: dão nós na cabeça.  

3 e 4. “Hitchcock Truffaut”, e “Hitchcock at Work”, Bill Krohn

Aprendi mais com “Hitchcock Truffaut” do que com muitos textos críticos stricto senso. E depois veio Bill Krohn com “Hitchcock at Work”, para desmistificar parte daquilo tudo, mostrando o quando do controle de Hitchcock dependia de outros, e quantas vezes a acaso invadiu seu cinema. 

5 e 6. “Montagem proibida” e “Por um cinema impuro: defesa da adaptação”, André Bazin

Esses dois textos estão quase na totalidade assinalados com caneta marcadora, na edição mais antiga da “O cinema”, da Brasiliense. A eles volto sempre. 

7 e 8. “A ponte clandestina” e “Deus e o diabo na terra do sol: a linha reta, o melaço de cana, e o retrato do artista quando jovem”, José Carlos Avellar   

“A ponte clandestina” é um livro fundamental e seu primeiro capítulo, “Napoleão e o cavalo”, uma obra-prima. Um texto crítico a partir de projetos nunca realizados, que abre um livro sobre o cinema latino-americano. O segundo é um pequeno livro que Avellar escreveu para a coleção do British Film Institute, que me fez compreender melhor e amar um pouco mais Glauber, e que mostra como um texto crítico pode ser poético. 

9 e 10. “Neorrealism = MC2” e “Neorrealism =  ∞”, Tag Gallagher

Os dois capítulos mais “teóricos” do livro de Tag Gallagher sobre Robert Rossellini abrem perspectivas em torno do neorrealismo e têm um efeito transformador. 

11. “Notas sobre o camp”, Susan Sontag

Por que escrever críticas é também perceber sensibilidades.    

12. “Historiografia clássica do cinema brasileiro”, Jean Claude Bernardet

O texto que mais me estimulou na vida acadêmica. 

13. “Hollywood from Vietnam to Reagan”, Robin Wood

Wood, um crítico que admiro profundamente. E que também incluo aqui como deferência a um dos ataques mais abjetos (para usar uma palavra coerente com a lista) que li em um texto crítico. Está no capítulo assinado por John Hackness do catálogo da mostra David Cronenberg: A expressão nua, da Cinemateca Portuguesa. Nesse texto, Hackness afirma, sobre Robin Wood, justificando sua discordância da leitura que ele faz da obra de Cronenberg: “É significativo que estas preocupações tenham emergido na crítica de Wood depois de ele ter publicamente assumido sua homossexualidade (no London Times Educational Supplement, em 1974), pois é possível sustentar com seriedade que Wood era melhor crítico quando reprimia sua sexualidade”. 

Cada coisa que a gente tem que ler e aturar viu. vou te contar.       

14. “Some Like it Not”

Logo que comecei a escrever críticas, um tio meu jornalista, muito querido, me deu esse livro, “Some Like it Not”, cujo subtítulo é “Bad Reviews of Great Movies” (“Críticas ruins de grandes filmes”). É uma deliciosa coletânea de trechos de críticas que erraram rude, erraram feio. Um livro maravilhoso para baixar a bola e lembrar, sempre, de manter a humildade.

Professora da UFBA; pesquisadora com atuação em Estudos da Crítica.

1.O Discurso Cinematográfico: a opacidade e a transparência, de Ismail Xavier

Foi através desse livro que me apaixonei pelo cinema e pude entender sua linguagem e segredos. Obra essencial que todo crítico deveria ter em sua biblioteca.

2.Making Meaning – Inference and Rhetoric in the Interpretation of Cinema, de David Bordwell

Nesta obra fundamental, Bordwell faz uma autópsia da história crítica de cinema e sobretudo de como os críticos interpretam os filmes. Usando a teoria retórica, propõe a criação de uma poética histórica do cinema e critica os exageros interpretativos chamando-os de “interpretação S.A.”

3.Perverse Spectators: the practices of film reception, de Janet Staiger

Staiger reúne maravilhosos ensaios para pensar a crítica como instância da recepção histórica dos filmes. Oferece uma instigante abordagem contextualista de reconstrução das respostas dos públicos aos filmes.

4.Visual Pleasure and Narrative Cinema, de Laura Mulvey 

Com esse ensaio a crítica feminista usou a psicanálise para investigar a fascinação do espetáculo erótico do cinema clássico hollywoodiano criando o conceito de “male gaze”. Texto clássico indispensável para pensar a condição feminina no cinema sob o olhar da crítica.

5.O Olhar Opositor: mulheres negras espectadoras, de bell hooks

Neste pequeno e admirável ensaio hooks nos leva a refletir sobre como os marcadores de gênero e raça são fundamentais para considerar o olhar crítico como uma forma de resistência.

6.Brasil em Tempo de Cinema, de Jean-Claude Bernardet

Obra notável deste crítico-ensaísta que analisou como ninguém o cinema brasileiro moderno. Destaca-se ainda a atualidade de seu pensamento revolucionário.

7.Argumentação e Crítica, de Tito Cardoso e Cunha

Utilizando-se da Retórica para pensar a crítica de cinema, o professor português pondera sobre como o discurso crítico exprime um valor argumentado, ou seja, um juízo cuja validade se mede pelo grau de convicção que despertou no seu público-leitor. Um pequeno livro que abre caminhos relevantes para refletir sobre a relação entre a crítica e a retórica.

8.Cinema Novo: a onda do jovem cinema e sua recepção na França, de Alexandre Figueirôa.

Produto da tese de doutorado de Figueirôa, o livro avança numa pesquisa intensa e original sobre as críticas publicadas nas revistas Cahiers du Cinéma e Positif sobre o acordo entre críticos franceses e realizadores brasileiros para fornecer reconhecimento e legitimidade ao Cinema Novo.

9.A Imagem e Sua Interpretação, de Martine Joly 

Joly analisa discursos produzidos pela crítica e pela literatura sobre as imagens do cinema e da TV e destaca as expectativas do espectador em relação a elas. A pesquisadora aponta que os discursos jornalísticos sobre cinema condicionam sutilmente nossa interpretação e nossas condições de recepção dos filmes, sobretudo através de juízos implícitos que esses discursos contêm.

10. Film Criticism in the Digital Age, de Mattias Frey e Cecilia Sayad

Neste conjunto de ensaios os autores propõem uma interessante reflexão sobre a “crise da crítica” na era digital. Será a era do “fim da crítica” ou a de seu renascimento?

11.Teoría y Crítica del cine: avatares de uma cinefilia, de Antoine de Baecq

Uma coletânea de textos vibrantes dos mais significativos teóricos e críticos franceses publicados nos Cahiers du Cinéma.

Rocinante – www.cinerocinante.com


Em ordem alfabética, não necessariamente os melhores textos críticos, mas talvez aqueles que mais tenham me provocado a pensar sobre cinema. Embora cite a data original de publicação, muitos foram lidos pela primeira vez nos últimos anos, através dos esforços de tradução de revistas como Contracampo e Foco. Outros foram acessados somente em blogues como Culture Injection, de Guilherme Cavalcanti; Dicionários de Cinema, de Luiz Soares Jr.; e Vestido Sem Costura, de Letícia Weber Jarek e Miguel Haoni. Há também críticas ou ensaios de autores brasileiros. 

1. A arte de amar, por Jean Douchet (1961)

2. A beleza do mar, por Sylvie Pierre (1967)

3. A questão da cultura, por Rogério Sganzerla (1970)

4. A maldição do fotograma, por Jean-Claude Biette (1986)

5. A superfície do vídeo, por Pascal Bonitzer (1999)

6. A walk through Carlito’s Way, por Adrian Martin (2012)

7. Blow-out, por Pauline Kael (1981)

8. Da abjeção, por Jacques Rivette (1961)

9. De certa maneira, por Alain Bergala (1985)

10. Morte de um conceito, por André Labarthe (1967)

11. Morte todas as tardes, por André Bazin (1951)

12. Noite vazia, por Andrea Ormond (2005)

13. O cinema de poesia, por Pier Paolo Pasolini (1965)

14. O olhar e a voz: a narração multifocal do cinema e a cifra da História em São Bernardo, por Ismail Xavier (1997)

15. O olhar opositor: mulheres negras espectadoras, por bell hooks (1992)

16. O sangue, por João Bénard da Costa (1989) 

17. Prazer visual e cinema narrativo, por Laura Mulvey (1973)

18. Sobre uma arte ignorada, por Michel Mourlet (1959) 

19. Toda a tristeza do mundo, por Luiz Carlos Oliveira Jr. (2012)

20. Um ser humano em marcha, por Paul Vecchiali (1981)

21. Um túmulo para o olho (pedagogia straubiana), por Serge Daney (1983)

22. Uma certa tendência do cinema francês, por François Truffaut (1954)

23. Uma situação colonial?, por Paulo Emílio Sales Gomes (1960)