Listas críticas

A primeira cena Pós-créditos surgiu em 2014, num contexto acadêmico coletivo que envolveu alunos da pós-graduação em Multimeios e da graduação em Midialogia da Unicamp. Esta segunda cena – que perdura desde o ano passado – tem se baseado (a contragosto!) num esforço mais individual, ainda que com colaborações eventuais (como as de Cássia Hosni e Evandro Scorsin, recentemente). Não se trata, portanto, de uma condição inviável ao exercício da crítica, mas me parece contraditória a uma publicação, que, a meu ver, precisa de oxigenação para além da de um indivíduo só. A compilação a seguir é uma tentativa de encerrar o ano trazendo (ainda que pontualmente) outros olhares, outras palavras, outros fôlegos à revista; talvez seja uma espécie de simpatia de final de ano, para que no próximo, as garrafas ao mar venham de mais navegantes (e não resisto em emprestar já no primeiro parágrafo a metáfora de Serge Daney).

Assim, Pós-créditos apresenta um dos clichês inescapáveis da cinefilia – as famigeradas listas –, mas busca elencar, ao invés dos filmes, os textos que iluminam (ou assombram) os críticos convidados que se dispuseram a contribuir (apesar do convite apertado em dias tão apurados). O pedido que fiz a cerca de vinte colegas – e ao qual generosamente responderam Ailton Monteiro, Bruno Carmelo, Gabriel Carneiro, Giovanni Comodo, Luiz Soares Jr., Marcelo Ikeda, Pedro Faissol, Ricardo Vieira Lisboa, Sérgio Alpendre e Wellington Sari – foi para que elencassem dez textos que considerassem essenciais à reflexão e exercício da crítica, ou que tivessem, de alguma forma, colaborado em suas formações para o ofício. A ideia inicial era concatenar apenas críticas de fato, mas as listas foram aparecendo e alinhavando críticas, coletâneas e trabalhos teóricos de mais fôlego. Como não faltam listas engessadas pela cibercinefilia, decidi respeitar a organicidade, maleabilidade e a pluralidade deste conjunto que apresentamos aqui; o que, inclusive, me pareceu convergir com a planejada recusa de uma lista somatória, final. Sem mais delongas, Pós-créditos dispõe, nas próximas linhas, um mosaico de encontros, distanciamentos e, claro, de crises, muitas evidentes na fricção entre as listas, títulos e textos, outras, que demandam o mergulho (ou a escavação) texto a texto. Crises visíveis e invisíveis de um exercício que busca confrontar evidências particulares – das obras e de quem escreve a partir delas –, estendidas a quem se dispõe a ler essas trocas de mensagens, a chegar por estas bandas. E vamos às listas!

AILTON MONTEIRO

Diário de um cinéfilo

http://cinediario.blogspot.com

1. A Velha a Fiar, de Inácio Araújo (presente no livro Curta Brasileiro – 100 Filmes Essenciais, 2019, organização: Paulo Henrique Silva e Gabriel Carneiro)

2. O Romance Protocinematográfico – Metamorfoses de Madame Bovary, de Robert Stam (presente no livro A Literatura através do Cinema – Realismo, Magia e a Arte da Adaptação, de Robert Stam, 2008)

3. O Monstro do Circo, de Daniel Camargo (presente na revista Cine Monstro nº 2, 2003)

4. Entrevista “Carlão Solta o Verbo” (entrevista por Sérgio Alpendre a Carlos Reichenbach, presente na revista Paisà nº 1, 2006)

5. O Desejo e o Cinema de Walter Hugo Khouri, de Andrea Ormond (presente no livro Ensaios de Cinema Brasileiro 1 – Dos Filmes Silenciosos à Pornochanchada, 2016)

6. Eduardo Coutinho: Teodorico, o Imperador do Sertão, de João Moreira Salles (presente no livro Ilha Deserta – Filmes, de Agnaldo Farias, Amir Labaki, Bernardo Carvalho, Inácio Araújo, Isa Grinspum Ferraz, João Moreira Salles e Ugo Giorgetti

7. Consciências Mortas, de Perseu Abramo (publicado na coluna Filmoteca da revista SET, edição nº 15, ano?) 
link: 
http://whatgoeson07.blogspot.com/2022/12/consciencias-mortas-set.html

8. O Anjo Exterminador, de Guilherme Letsz (publicado na coluna Filmoteca da revista SET, edição nº 40, ano ?) 
link: 
http://whatgoeson07.blogspot.com/2022/12/o-anjo-exterminador.html

9. O Desejo Que Alimenta: O Erotismo, o Adultério, a Liberdade e a Cidadania na Adaptação para o Cinema do Best-seller do Tcheco Milan Kundera: A Insustentável Leveza do Ser, de Eugênio Bucci (publicado na revista SET, 1989)
link:
http://whatgoeson07.blogspot.com/2020/08/a-insustentavel-leveza-do-ser-por-bucci.html

10. Escorpiões no Cinema Brasileiro, o Melhor e Terapêutico do Cinema Explícito e a Volta de Aílton, de Carlos Reichenbach (publicada na coluna de Carlão no Cineclick, 26.04.2001)


BRUNO CARMELO

Meio Amargo

https://meioamargo.com

“10 livros mais influentes na trajetória como crítico de cinema”. 

1. Making Meaning – Inference and Rhetoric in the Interpretation of Cinema, de David Bordwell

Certamente o livro mais importante que li na formação como crítico. Bordwell disseca os conceitos de interpretação, explicação e análise, associados às noções de semântica, heurística e outros. Finalmente, uma obra mais preocupada com o ato de analisar e criticar do que com o objeto estudado (filme, série), que costuma monopolizar as discussões a respeito da crítica.

2. A Distinção: Crítica Social do Julgamento, de Pierre Bourdieu

A obra de sociologia estuda a percepção de qualidade enquanto construção social, e portanto, dinâmica. Aplicada ao cinema, serve como contraponto às vertentes autorais que pregam uma qualidade intrínseca aos filmes. Em paralelo, fornece provavelmente as melhores respostas que tive até hoje a perguntas como “O que é arte?” (e, por extensão, o que é crítica, o que é cinema, etc).

3. A Elite Artista – Excelência e Singularidade em Regime Democrático, de Nathalie Heinich

A socióloga busca compreender em que momento artistas se converteram historicamente em um grupo social à parte, ao mesmo tempo precarizado e repleto de prestígio. Ela estuda os prazeres da comunicação e de ser voluntariamente incompreendido, e os símbolos de status que constróem a base da nossa percepção do autor – e, por extensão, do cineasta, do diretor.

4. Le Travail Créateur: s’Accomplir Dans l’Incertain, de Pierre-Michel Menger

Em associação com Retrato do Artista Enquanto Trabalhador: Metamorfoses do Capitalismo, este livro traduz uma das melhores compreensões da arte em sua condição de ofício técnico e de função social. Para uma atividade de frágil organização, e cuja percepção de funções e métodos sempre foi dispersa, para dizer o mínimo, estas percepções são bastante úteis para a compreensão do trabalho crítico.

5. Cinéphiles et Cinéphilies – Une Histoire de la Qualité Cinématographique, de Laurent Jullier e Jean-Marc Leveratto

A dupla é responsável por algumas das obras mais potentes sobre teoria cognitiva do cinema, e desta vez, analisam a cinefilia não pela perspectiva amorosa, enquanto legitimação da crítica, mas como instrumento frágil de pedagogia das imagens. Uma obra anti-Cahiers du Cinéma no sentido de recusar a pretensa superioridade do crítico-sábio, o crítico excêntrico capaz de determinar, sozinho, a qualidade de uma obra por meio de ferramentas retóricas de interpretação. Uma proposta essencial para que o crítico de cinema desenvolva um olhar crítico em relação ao próprio trabalho que desempenha.

6. A Experiência do Cinema, de Ismail Xavier
As teorias do cinema costumam ter um caráter de intimidação para tantos críticos fora do meio acadêmico, mas a obra de Ismail Xavier proporciona um primeiro acesso aos textos mais importantes e representativos de diferentes correntes dos estudos cinematográficos. Ele é capaz de analisar as obras das primeiras décadas do cinema em diálogo direto com estudos contemporâneos, algo que abre portas à formação essencial do crítico de cinema.

7. Cinema Brasileiro – Propostas para uma História, de Jean-Claude Bernardet

Uma das obras mais ousadas em termos de historiografia, por romper com a cronologia linear e permitir diversas associações pessoais entre o cinema brasileiro dos primeiros tempos e o contexto socioeconômico do país. Bernardet evita o caráter solene e explicativo da maioria das obras históricas, estabelecendo um diálogo próximo da conversa com o leitor. Este tipo de escritura serve de bom exemplo ao potencial literário da crítica.

8. Diante da Dor dos Outros, de Susan Sontag

O livro discute em especial a fotografia de guerra, porém questiona, de fato, uma postura ética e moral diante das imagens alheias. Posto que a crítica constitui uma arte a respeito de outra arte, ou ainda uma literatura do audiovisual, este raciocínio se aplica diretamente ao nosso trabalho. Discussões sobre a espetacularização da violência ou o fetiche da miséria devem muito aos conceitos de Sontag.

9. Une Certaine Tendance du Cinéma Français, de François Truffaut (Cahiers du Cinéma, nº 31)

O artigo de Truffaut na revista francesa serviu como manifesto para o início de um pensamento autoral que dominou não apenas seu país, mas também a relação ocidental com a cinefilia desde então. Embora não me filie necessariamente às ideias do autor, reconheço que seu texto foi fundamental para definir meu principal objeto de estudo no mestrado: a política dos autores, e sua evolução ao longo das décadas.

10. L’Arbre et la Source, de Michel Charles

O autor se dedica à crítica enquanto produção de discurso. Junto de Bordwell, constitui um grande estudioso da retórica como elemento formador da crítica de cinema – para o bem e para o mal. Ele disseca a retórica prática, retórica especulativa e outros elementos úteis para que o crítico pense seu trabalho de escritura, e a articulação proposta com as obras cinematográficas.


GABRIEL CARNEIRO

Revista de Cinema, Revista Zingu!, Cinequanon.

1. Da abjeção, Jacques Rivette + Imagens apesar de tudo, Georges Didi-Huberman

Sobre a ética da imagem.

2. Cinema e história, Marc Ferro + Historiografia clássica do cinema brasileiro, Jean-Claude Bernardet

Sobre a relação entre filme e contexto.

3. O gosto, Montesquieu + Notas sobre o camp, Susan Sontag

Sobre prazeres e sensibilidades.

4. A evolução da linguagem cinematográfica, André Bazin + Cinema: trajetória no subdesenvolvimento, Paulo Emilio Sales Gomes

Os incontornáveis.

5. O estilo de Yasujiro Ozu, Tadao Sato + Monstro de Corman enfrenta Hollywood, Inácio Araújo

Os exemplos. Poderiam ser muitos outros textos desses e de outros autores, mas ambos trazem, a seu modo, um olhar aguçado para a forma e o contexto que ainda me inspiram.


GIOVANNI COMODO

Coletivo Atalante

http://coletivoatalante.blogspot.com

1.  A Arte de Amar, de Jean Douchet:

 http://www.contracampo.com.br/100/arttraddouchet.htm

O texto essencial, para voltar sempre. Você pode ler qualquer parágrafo a qualquer momento e sair com uma reflexão nova.

2. A borboleta de Griffith, de Jean-Claude Biette:
 https://dicionariosdecinema.blogspot.com/2011/03/borboleta-de-griffith-por-jean-claude.html

Poético, generoso (com os leitores), rigoroso (com o cinema), apaixonado. Praticamente uma versão na prática do texto mencionado do Douchet, para se guardar e redescobrir.


3. Crítica de “O Fantasma Apaixonado”, por João Bénard da Costa:
 https://focorevistadecinema.com.br/FOCO1/benard-apaixonado.htm

Ninguém escreveu sobre cinema na língua portuguesa como Bénard. Seria justo fazer a lista só com textos dele e é difícil escolher um só (recomendações pessoais: suas críticas sobre “Uma rapariga no verão”, “Os Guarda-chuvas do Amor”, “As duas faces da felicidade” e, claro, “Johnny Guitar”), mas fico com esta por conta da descrição inesquecível sobre Gene Tierney cravada aqui: “mulher patchuli”. É o trabalho da crítica descrever e, com sorte, fazer com que outros amem o que amamos.

4. A Publicidade venceu, de Luiz Carlos Oliveira Jr.:
 http://www.contracampo.com.br/92/pgpublicidadevenceu.htm

A disposição da crítica em pegar o pulso do tempo e o estado das coisas. Continua atual.

5. O antigo e o novo: entrevista com Éric Rohmer:
 https://estadodaarte.estadao.com.br/foco-o-antigo-e-o-novo-entrevista-com-eric-rohmer/

Na dúvida em escolher só um texto do Rohmer, esta entrevista generosa e repleta de reflexões sobre seu ofício – na crítica e na realização.

6. Inácio Araújo sobre Showgirls:
 https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2202200822.htm

Eu lembro bem das pequenas notas do Inácio sobre cinema aos domingos no jornal. Nunca esqueci de uma em que defendia que “Showgirls” era um faroeste, mas não consegui encontrar online. Os textos do Inácio conseguiam ser breves, fortes e instigantes, qualidades sempre inspiradoras.

7. Mostra que tu é intenso, de Juliana Cunha:
https://t.co/Edcp1Ukt4N ou https://www.revistatransas.com/2017/03/02/muestrale-que-eres-intenso-una-lectura-de-aquarius-de-kleber-mendonca-filho/

A crítica de Juliana Cunha sobre Aquarius é para emoldurar. Profunda, provocadora, destemida e com um tom maravilhoso de conversa.

8. Mesa-redonda sobre “Hiroshima, meu amor”, dos Cahiers du Cinéma:
https://cine-resort.blogspot.com/2012/11/hiroshima-notre-amour_15.html

Rohmer, Godard, Rivette, Domarchi, Doniol-Valcroze e Kast debatem o filme de Resnais logo no seu lançamento, tentando compreender juntos e com apontamentos que continuam indispensáveis e instigantes. Crítica é diálogo.

9. Rolos de Primavera, de Serge Daney:
 https://vestidosemcostura.blogspot.com/2019/06/rolos-de-primavera.html

Daney é um gigante atemporal. Gosto especialmente da fase no jornal Libération, ainda sem lançamento no Brasil. Esta tradução que fiz de um texto dele sobre um comercial de papel higiênico mostra seu olhar arguto e insaciável sobre as imagens e o mundo, sem abdicar de seu senso de humor mordaz.

10. Haywire: o corpo fala, de Kiva Reardon:
 https://coletivoatalante.blogspot.com/2020/05/haywire-o-corpo-fala.html

Não só gosto muito quando a crítica se debruça sobre títulos e estilos menos vistos (e com este jeito de “lançamento direto para videolocadoras”), como do jogo que Reardon propõe aqui, destacando o trabalho criador da atriz – o que muito me interessa como caminho para pensar os filmes.


LUIZ SOARES JÚNIOR

Multiplot!; À Pala de Walsh

http://multiplotcinema.com.br

https://www.apaladewalsh.com

1. Serge Daney sobre L’enfant secret

Um inventário pático e genealógico não só sobre a obra-prima de Garrel, mas sobre o romanesco no cinema francês como um todo.

2. Sobre uma arte ignorada, por Michel Mourlet

Michel Mourlet, crítico eminente da Présence du cinéma, destila aqui a quintessência de sua visão realista, mimética do cinema, esta arte que sob os auspícios da quadra de ases macmahonista ousou sonhar-se impossível a partir dos dados infra-estruturais do Real.

3. Riccardo Freda, por Jacques Lourcelles

Lourcelles se debruça sobre o cinema fantasista e exuberante de Freda para nos dar o testemunho de uma geração soterrada pela ‘onda’ do neo-realismo, mas que possuía raízes profundas na arte popular italiana, e por esta razão atingiu a posteridade do Eterno, sob o ponto de vista genealógico.

4. Morte de um conceito, por André Labarthe

Texto fundamental na Cahiers du cinéma dos 60 sobre a necessidade de ampliação do conceito cinquentista de mise en scène, abrigando agora sob sua cúpula o collage, o acaso, os personagens documentários de Léaud para Godard e Skolimowski- enfim: a vida, em suas potências de metamorfose e delírio mais arrojadas.

5. Fortini cani: Ali, Jean Narboni

Texto chave de Jean Narboni sobre os filmes do casal Straub e Huillet, partindo de Fortini cani para encontrar, sob a inspiração de um cinema do espaçamento ( ou fora de campo), os cimos de uma obra dedicada à releitura e transformação hermenêuticas da História.

6. O retorno do filho pródigo, Louis Seguin sobre Two lane blacktop

O crítico marxista Louis Seguin se debruça sobre a obra prima de Monte Hellman para encontrar um objeto não identificável e iniciático de um “filme do anonimato” e a descoberta de um novo classicismo, onde a emoção não é mais fruto da identidade e da presença, mas igualmente o contrário da dessemelhança e da Distância.

7. Uma economia do gesto nos Fioretti de Roberto Rossellini.

Nicole Brenez aqui faz uma genealogia fecunda em analogias (com a pintura, o mito e as fontes da religião da encarnação) para entender, ampliar e amplificar a noção de Graça no cinema da encarnação de Roberto Rossellini: desde então, um modelo paradigmático de hermenêutica e estudo do simbólico se perfila aqui.

8. A encruzilhada das bestas humanas, por Jean Claude Biette

O crítico de cinema, teórico e cineasta Biette aqui tem por objeto uma obra de Fassbinder que ele analisa com a sutileza e discernimento mediúnicos de um sismógrafo implacável: sismógrafo das forças pulsionais, econômicas e políticas do cinema à época de guerrilha do enfant terrible do cinema novo alemão.

9. Psicose: o original não tem lugar ou o mito do original e o quase fim do maneirismo, por Jean Baptiste Thoret

Texto seminal e exaustivo, em suas implicações teóricas, eruditas e intuitivas, do crítico Jean Baptiste Thoret sobre Psicose e a genealogia do maneirismo, movimento e práxis dos 70 que tanto deveram a este filme-summa.

10. O mal cadente: Jean André Fieschi sobre De punhos cerrados

O grande e menos conhecido Jean André nos descortina a teatralidade histérica de viés político da obra de estreia de Marco Bellocchio, panfleto à sua maneira idiossincrática da psicose revolucionária pós-68, que precisou matar os Pais para não ter de atestar um legado, uma posteridade testamentária, e portanto de assumir uma responsabilidade histórico pelos eventos históricos testemunhados, ou a continuação perversa do neo-realismo.


MARCELO IKEDA

Cinecasulofilia

http://www.cinecasulofilia.com

1. Cinema de invenção, de Jairo Ferreira

Jairo me fez compreender que escrever com paixão não é um problema mas uma necessidade. E ele desenvolve um recorte para outros tipos de cinema, escrevendo com ousadia e rigor, que foi fundamental para minha escrita do “cinema de garagem”

2. Movie Journal, de Jonas Mekas

Mekas é mais conhecido como realizador, mas sua contribuição como crítico é fantástica. Esse livro, uma coletânea de seus textos no Village Voice, me despertou fundamentais reflexões sobre como desenvolver um método de abordagem e de escrita na análise do cinema experimental.

3. Brasil em tempo de cinema, de Jean-Claude Bernardet

Sou profundamente influenciado pela escrita provocativa de Bernardet, seu desejo de sempre sair das zonas de conforto. Este é um livro muito corajoso, e que abre muitas portas de análise para o cinema. Ele me fez descobrir métodos para que a análise de um filme possa combinar elementos internos e também externos (aspectos institucionais, sociais, conjunturais).

4. A arte do cinema (Film art), de David Bordwell

Neste livro bastante importante (li na sua quinta edição em inglês, com sua capa com o globo-Rosebud de Cidadão Kane em primeiro plano rs), descobri o cinema como uma linguagem. Ao lê-lo aos 20 anos, meu olhar sobre o cinema nunca mais foi o mesmo, diante das análises precisas e encantadoras desse grande teórico do cinema. P.s.: poderia também ter escolhido, do mesmo autor, Ozu e a poética do cinema, um livro impressionante!

5. Afinal, quem faz os filmes?, de Peter Bogdanovich

Ao ler esse livro, fiquei profundamente espantado com o ressentimento e a frustração dos cineastas, e percebi que um filme é um entrecruzamento entre o sonho/a imaginação e as circunstâncias materiais do possível.

6. Introdução a uma verdadeira história do cinema, de Jean-luc Godard

Esse livro nem precisa de explicações rs. É impressionante a originalidade e a ousadia de Godard ao promover um percurso tão pessoal e tão rico pela história do cinema. Esse livro abriu a minha cabeça para outras possibilidades em ver a história do cinema e a leitura sobre filmes.

7. Transcendental Style in Film: Ozu, Bresson, Dreyer, de Paul Schrader

Esse livro é maravilhoso, por aproximar três cineastas de que sempre fui tão fã, e pelo texto conseguir amarrar, de forma inesperada, o intangível religioso com a concretude da palavra, numa analogia com o próprio estilo desses notáveis artistas.

8. John Ford: The Man and his Movies, de Tag Gallagher

Este livro é muito impressionante como o autor consegue desenvolver uma metodologia em que se combina um conjunto infindável enciclopédico de informações com uma análise profunda e rigorosa dos elementos de encenação de cada um dos filmes de Ford, num trabalho de pesquisa extremamente apaixonado e obsessivo.

9. Charlie Chaplin, de André Bazin

Eu poderia ter escolhido outro livro ou texto de Bazin. Mas este foi o primeiro que li do autor, e fiquei encantado pela sobriedade e pela riqueza de análise, especialmente sobre a importância do realismo na obra de Chaplin. A escrita clara e cristalina e o rigor da análise me impressionam até hoje.

10. Escritos sobre cinema, de João Bénard da Costa

Esse gigante livro de dois tomos é um testamento de um dos mais amorosos e rigorosos críticos de cinema, que influenciou toda uma geração de cinéfilos portugueses. A calma, a profundidade e o “prazer do texto” são comoventes e encantadores.


A delicadeza, de Denilson Lopes

Acho inspiradora e maravilhosa a forma de abordagem de Denílson em relação ao cinema contemporâneo, que muito me influenciou como forma poética e ensaística de escrita, mesmo diante de um formato mais acadêmico.


Italian Film in the Light of Neorealism, de Millicent Marcus

Ganhei esse livro de presente quando tinha 20 anos e fiquei profundamente influenciado. É muito criativa e inspiradora a forma como a autora defende a ideia de que boa parte do desenvolvimento do cinema italiano a partir dos anos 1950 foi diretamente influenciado pelo neorrealismo italiano. Essa leitura diacrônica da história do cinema, fazendo pontes e cruzamentos inesperados, gerou grande influência em minha forma de perceber o cinema.


PEDRO FAISSOL

Professor de crítica na Unespar.

1. O travelling de Kapó, de Serge Daney. 

2. A arte de amar, de Jean Douchet.

3. A condição crítica, de Maurice Blanchot. 

4. Pode o gosto ser objetivo?, de Clement Greenberg.

5. A publicidade venceu, de Luiz Carlos Oliveira Jr. 

6. O gosto da beleza, de Éric Rohmer.

7. Cinema: música da luz, de Jairo Ferreira 

8. O exercício do olhar, de Calac Nogueira 

9. Problemas da tradição crítica: ensaios sobre o ideário moderno do cinema brasileiro, de Francis Vogner dos Reis.  

10. A crítica e os estudos de cinema, uma resposta a David Bordwell, de Chris Fujiwara.


RICARDO VIEIRA LISBOA

À Pala de Walsh

https://www.apaladewalsh.com

“Aqui ficam 10 textos que me ocorreram assim de repente, amanhã seriam outros… Estes são particularmente queridos. Estão sem qualquer ordem…”

– Serge Daney, “O travelling de Kapò”

– Andrew Sarris, “Harold Lloyd: A Rediscovery”

– João Bénard da Costa, “REBECCA (1940), Alfred Hitchcock”

– Luís Miguel Oliveira, “Viagens à Índia”

– Helen Hanson, “Hollywood Heroines: Women in Film Noir and the Female Gothic Film”

– Slavoj Žižek, “Lacrimae Rerum, ensaios sobre Kieslowski, Hitchcock, Tarkovski e Lynch”

– David Foster Wallace, “David Lynch Keeps His Head”

– Laura Mulvey, “Marilyn Monroe: emblema e alegoria de uma Hollywood em mudança”

– Vinzenz Hediger, “The Original Is Always Lost”

– João Lopes, “Será que o dinheiro pode ser mostrado?”


SÉRGIO ALPENDRE

Paisà; Interlúdio; Folha de São Paulo; À Pala de Walsh

http://www.revistainterludio.com.br

https://www1.folha.uol.com.br/autores/sergio-alpendre.shtml 

https://www.apaladewalsh.com

1. O crítico como artista, de Oscar Wilde (em Mentira e outros ensaios)

É sempre bom ver nossa função valorizada.

2. Introdução Polêmica, de Northrop Frye (em Anatomia da Crítica)

Umas lições que ainda precisam ser aprendidas.

3. A Arte de Amar, de Jean Douchet (Cahiers du Cinéma, dezembro de 1961)

Um texto apaixonado para apaixonados.

4. Pode o Gosto Ser Objetivo?, de Clement Greenberg (em Estética Doméstica)

Poderia ser qualquer outro texto de Estética Doméstica. Todos são fundamentais.

5. Os Deuses Malditos, de Gilda de Mello e Souza e Antônio Cândido (em Exercícios de Leitura)

Provavelmente a melhor crítica escrita no Brasil.

6. Corpos no Espaço: Cinema como Conhecimento Carnal, de Annette Michelson (Artforum, fevereiro de 1969)

Texto desafiador para 2001, um filme desafiador.

7. O Passado e o Presente: um necrofilme português de Manuel de Oliveira, de João César Monteiro (Diário de Lisboa, 1972 / catálogo da Cinemateca Portuguesa)

Monteiro acertando as contas (com o maior cineasta português (que viria a ser ainda maior.

8. Two films by Michael Cimino, de Robin Wood (em Hollywood From Vietnam to Reagan)

Melhor texto sobre Cimino pelo melhor crítico que já existiu.

9. Le Nouvel Hollywood – Histoires d’une Révolution, de Jean-Baptiste Thoret (em Le Cinéma Americain des anées 70)

Um dos melhores resumos do que foi esse grande período do cinema americano.

10. Narrativa contra mundo, de Tag Gallagher (Trafic 50)

Texto saboroso em formato de crônica pelo autor do mais brilhante livro sobre John Ford. 


WELLINGTON SARI

Contracampo; Interlúdio

www.contracampo.com

http://www.revistainterludio.com.br

“Optei por um critério: dez textos que me ensinaram importantes lições durante minha formação como crítico, um pouco antes do período que estive na Contracampo. O momento posterior, já na Revista Interlúdio, tem grande importância também. Essa hipotética parte dois da lista fica para o futuro.” 

1. Warran Oates (David Thomson)

Film Comment, Jan/Fev 1981

The greatest trick to write about Oates is to catch the spirit of obituary. A death notice for an honorable little sleaze-bag.

Toda crítica é, de alguma forma, um obituário.

2. Perfil de Humphrey Bogart (François Truffaut)

1958

(…) em menos de 40 filmes morre na cadeira elétrica uma dúzia de vezes e totaliza mais de 800 anos de cadeia. Antes, apenas sua Lugger falava; hoje, quem fala é ele, e o que diz? Senhoras, tenho um metro e setenta e nove e peso setenta e sete quilos. Meus cabelos são castanhos como meus olhos. Meu primeiro casamento durou apenas dezoito meses (demais) e o segundo oito anos (demais) e não conseguirão me agarrar novamente até a próxima vez.

Todo obituário, portanto, toda crítica, deve saber se divertir quando é possível saber se divertir.

3. Os primeiros filmes de Maurice Burnan (Paul Louis Thirard)

Positif, Mar/Abr 1955

O nome e os trabalhos de Maurice Burnan são bem conhecidos.

A crítica é, sim, o espaço da invenção. Thirard foi longe demais: inventou um cineasta para satirizar a política dos autores. 

4. Sueurs froides: le système du Dr. Hitchcock – Michele Firk 

Positif, n° 30, 1959

Hitchcock, como se sabe, divide suas leituras de cabeceira entre romances de detetive e uma certa revista médico-cinematográfica, que lhe psicanalisa periodicamente. Em umas ele pesca ideias para filmes, em outras, justificativas. Ou se preferir, as primeiras lhe fornecem temas, a segunda, teses.

Michele Firk teve (curta e trágica) vida interessantíssima, transitando entre a crítica e a luta armada. Ela inicia o combativo texto sobre Vertigo denunciando a Cahiers (atitude legal, divertida, bacana) e termina afirmando que o velho Hitch é um trapaceiro que entorpece o senso crítico alheio e faz dormir o espectador, de tédio (equívoco alucinado). A crítica de cinema, desde que devidamente armada, pode ser boa mesmo quando erra completamente o alvo.

5. Sobre uma arte ignorada – Michel Mourlet

Cahiers du Cinèma, Ago. 1959

A arte de amar com paixão e pouca lucidez.

6. A arte de amar – Jean Douchet

Cahiers du Cinèma, dez. 1961

Rito de passagem.

7. A dama deixa a vila (sobre os caminhos de Shyamalan) – T. Monassa

Contracampo, 83 

(http://www.contracampo.com.br/83/artdamadeixaavila.htm)

O papel de T. Monassa na minha formação é pelo conjunto da obra, que inclui as críticas de cinema, as trocas de e-mail, as conversas curtas, médias e um pouco mais longas etc. Poderia ter escolhido vários outros textos. Fica esse, como exemplo de escrita muito precisa e encantadora, como os próprios filmes de Shyamalan.

8. A publicidade venceu – Luiz Carlos Oliveira Jr.

Contracampo, 92, 2008

(http://www.contracampo.com.br/92/pgpublicidadevenceu.htm)

Eco do que escrevi acima, com o acréscimo de que o Júnior foi formalmente meu professor, nos idos de 2008 ou 2009.

9. American Movie Classic: John Carpenter – Kent Jones

Film Comment, Jan/Fev. 1999

Você lê esse texto e em seguida revê todos os filmes de Carpenter. Toda crítica deve lhe fazer ter vontade de rever os filmes de Carpenter, não é assim?

10. O papel do ator – Rogério Sganzerla

1981

Viva os filmes de Rogério Sganzerla! 


ÁLVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ

Pós-créditos

1. A Arte de amar, de Jean Douchet

http://www.contracampo.com.br/100/arttraddouchet.htm

Paixão e lucidez; parece uma equação simples (mas não é) lançada ao amador, sujeito aparentemente simples (mas não é). Sobra complexidade.

2. Da Abjeção, de Jacques Rivette
Movimentar a câmera é fazer uma escolha moral; pô-la, também. Ligá-la, idem.

3. Sirk x 2, de Luiz Carlos Oliveira Jr.

http://www.contracampo.com.br/92/artsirk.htm

Luiz foi meu professor na faculdade (acho que por isso não consigo chamá-lo de Jr., como a maioria) na época em que acompanhei a Contracampo com mais afinco. Poderia citar vários dos seus textos: o já devidamente contemplado A Publicidade venceu, as críticas sobre O HospedeiroHomem-Aranha 2, Vicky Cristina Barcelona…. Fico, porém, com essa tentativa de sintetizar – sobretudo a partir da cenografia – o melodrama Sirkiano através de um dos Sirks mais belos – Palavras ao vento.

4. O Cinema e a memória da água, de Serge Daney

http://dicionariosdecinema.blogspot.com/2008/12/o-cinema-e-memria-da-gua-le-grand-bleu.html 

Prenúncio de A Publicidade Venceu; prenúncio também dessa superfície pasmacenta de CGIs assépticos, streamings e Marvel. Lembrança de que, em águas que se agitam (como as de Moretti), “flutuar ainda é trabalho”.

5. Questionário aos críticos – Contracampo n° 24 e n° 100

http://www.contracampo.com.br/24/frames.htm

http://www.contracampo.com.br/100/artenquetecritica.htm

A crítica brasileira (ou parte dela) em dois tempos; questões constantes, num tempo só.

6. Evidências de Rohmer ocupam a tela, de Inácio Araújo

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0905200328.htm

A conversação de Rohmer sob a síntese de Inácio, que começa certeiro, pelo óbvio: “Impossível não perceber o encanto de Margot”.

7. Fim dos tempos, de Tatiana Monassa

http://www.contracampo.com.br/91/critfimdostempos.htm 

Minha paixão por Shyamalan, e tudo o que escrevi sobre seu cinema, passa por este texto da Tatiana. Na verdade, acho que tudo o que escrevi horror, passa e repassa por este texto da Tatiana.

8. O Mito de Aristarco, de Michel Mourlet 

http://www.contracampo.com.br/100/artmourletaristarco.htm 

“É por isso que a descrição implica julgamento: não existe um estilo por si mesmo, há apenas um conhecimento do estilo. Nós estamos em plena fenomenologia e em plena relatividade.”

9. In Critical condition, de David Bordwell

http://www.davidbordwell.net/blog/2008/05/14/in-critical-condition/ 

Não é preciso concordar com tudo o que Bordwell escreve aqui para reconhecer uma vontade pedagógica e generosa acerca da crítica. Há também um cutucão – que me parece cada vez mais pertinente – à crítica online e, claro, o óbvio: “good critics have to be good writers”.

10. Imagens Abjetas, de Eduardo Valente

http://www.contracampo.com.br/45/imagensabjetas.htm

Sincronicidade a partir do asco diante do filme mais horroroso que estes olhos já viram – Irreversível, de Gaspar Noé. Um texto muito útil em sala de aula (especialmente para provocar os devotos de Noé).