Motivados pelo dia das crianças, os redatores da Pós-créditos se propuseram a realizar um exercício: trazer memórias pessoais marcantes de suas relações com o Cinema e o audiovisual ainda na infância. Reminiscências que, de alguma forma, resguardam as obras citadas num lugar meio sagrado, que mesmo a crítica é incapaz de atingir. Lembranças que, sem dúvidas, fundamentaram um pouco das trajetórias cinéfilas aqui em jogo.
Álvaro André Zeini Cruz
Creio que para a minha geração, a chegada ao audiovisual já se desse antes pela TV do que pelo Cinema, algo que hoje me parece inevitável. Para mim, foi. Nesse sentido, para além dos desenhos e programas infantis, minha infância foi marcada pelas telenovelas. A primeira a me despertar interesse foi O fim do mundo, novela de Dias Gomes em 35 capítulos, que, claro, me atraiu pelo tema (embora hoje me pareça um pouco mórbido um garoto de sete anos pensar em apocalipse). Mas a primeira vista de cabo a rabo foi a substituta no horário: O rei do gado, de Benedito Ruy Barbosa. Me pegou de tal jeito que para fazer uma viagem em família que me faria perder os últimos capítulos, fiz com que meus tios prometessem gravar o final da novela. Devo ter até hoje o VHS por aí…
Minha primeira lembrança na sala de cinema é de 1992. O filme era Aladdin, da Disney. Fez parte da programação das férias em São Paulo (zoológico, Butantã, shopping, etc.). Me lembro que o tamanho da sala me impressionou. E que colecionei latinhas de Fanta estampadas com os personagens por um bom tempo.
A maior parte da minha infância passei em Itápolis, cidade com cerca de 40 mil habitantes no interior de São Paulo. Lá, o cinema era o teatro, as sessões eram poucas e os filmes chegavam com atraso, o que aumentava a ansiedade da garotada (me lembro de quando estreou Anaconda, um filme ruim de doer, mas que foi o assunto do dia seguinte na aula de inglês). Mas acho que o filme que mais me impactou nesse período da infância foi aquele que até hoje me faz parar para ver caso esteja passando na televisão: Titanic, de James Cameron. A classificação indicativa era de doze anos; eu tinha nove, um dos meus primos, dez. Embora estivéssemos acompanhados das respectivas mães, tínhamos medo de sermos barrados e não participar do hype cinematográfico de 1997. Então, vestimos nossas roupas mais descoladas (se não me engano, apelamos até para os óculos escuros) na tentativa de parecermos mais velhos, e fomos ao cinema. Entramos. Depois disso, assisti Titanic outras quatro vezes no cinema; três na infância (numa delas, uma amiga levou uma cusparada na cena em que Jack ensinava justamente isso a Rose) e uma recentemente, no relançamento do filme em 3D. Como disse, assisto de novo se encontrar passando agora.
Essas experiências de infância são sempre delicadas, difíceis de julgar, porque vêm envoltas em memórias e afetos. Formam um repertório particular meio inabalável, quase sagrado, e penso ser saudável e essencial que ele exista, sobretudo quando temos muito a questionar no cinema. Talvez seja melhor que esses filmes fiquem assim, intocáveis.
Marcella Grecco
Em comemoração ao dia das crianças, gostaria de falar um pouco sobre um dos filmes que marcou a minha infância e me fez querer trabalhar com cinema. É um filme um tanto quanto inusitado, mas eu assistia a ele sem parar junto da minha irmã mais nova e ficava querendo entender os efeitos e maquiagens, para mim sensacionais naquela época. A Convenção das Bruxas (The Witches, USA/UK, 1990) conta a história de Luke, um menino que perdeu os pais e passou a viver com a avó. Certo dia, ele descobre que algumas bruxas estavam em convenção justamente no hotel em que se hospedara com a sua avó. Para piorar, elas estavam bolando um plano terrível: transformar as crianças em ratos. Luke é pego e vira um ratinho. Nunca me vou me esquecer desta cena. No final, tudo dá certo.
O roteiro do filme é baseado no livro de Roald Dahl, que possui outras obras excelentes como A Fantástica Fábrica de Chocolate e Matilda, por exemplo. O livro, entretanto, tem um final mais pesado e não é tão voltado para o público infantil como o filme. Lembro perfeitamente de ficar aterrorizada quando as bruxas tiravam as máscaras durante a convenção. Revendo o filme estes dias, achei bastante divertido, mas é curioso o clima de tensão mantido durante a narrativa, apesar de ser um filme para crianças. Enfim, cresci querendo aprender a fazer mulheres virarem bruxas e meninos ratos. Mentira, estou brincando. Cresci querendo fazer parte deste mundo divertido do cinema, em que tudo é possível.
Renato Coelho
Nasci no início da década de 1980, e minha paixão mais profunda pelo cinema começou meio tarde, quando eu já tinha em torno de 20 anos. Até então eu tinha com filmes uma relação como espectador comum, nunca havia imaginado que estudaria cinema ou que um dia faria filmes. Dessa forma, quando me foi proposto escrever aqui sobre algum filme que tivesse marcado minha infância, pensei logo que seria meio difícil… Mas me lembrei da seguinte história, que me marcou na época:
Eu devia ter em torno de uns 6 ou 7 anos, e naqueles tempos de criança passava todas as férias na casa dos meus avós, em Poços de Caldas. Meu Vô Orlando havia recentemente comprado um vídeo cassete, e logo ficamos sócios de uma locadora próxima, chamada Fama. Um filme havia marcado a vida da minha Vó Lúcia, e na primeira visita à locadora alugamos, eu e meu irmão, por recomendação dela.
O filme era Marcelino Pão e Vinho, assistimos a versão dublada e me lembro que nos marcou muito. A questão da religiosidade (tenho um tio padre e venho de uma família de tradição católica, embora não seja hoje praticante), da inocência infantil, na história de uma criança órfã. A música tema do filme também sempre me vem à mente, em vários momentos ao longo da minha vida.
Mas o que me marcou mesmo foi a cena chave, o clímax do filme, um momento literalmente “crucial”: quando Marcelino conversa com Jesus na cruz (com uma imagem de Jesus crucificado em tamanho real), sendo agraciado por um milagre. Pensando agora acho que ele conversa com Jesus em algumas cenas do filme, mas a que me marcou foi a final, quando é observado pelos frades do convento onde foi criado, e acaba considerado como um santo pelo seu milagre.
Outro filme que nos marcou deveras nessa época, mas em outro viés, foi Brinquedo Assassino, também alugado numa de nossas primeiras visitas à locadora Fama.
Phillippe Watanabe
Programas de TV, para muitos, costumam ser atrações passageiras, distrações cotidianas que ajudam a, de alguma forma, terminar o dia de um modo mais relaxado. Dentre os programas que acompanhamos, existem aqueles aos quais somos mais apegados, e o fato de que ele irá terminar um dia já nos causa uma certa melancolia; e outros que parecem que nunca sairão do ar, independente de audiência – quando ligarmos a televisão, ele estará lá. A união dessas características define bem, pra mim, Chaves.
Eu poderia falar que Chaves é um seriado mexicano que foi ao ar, em seu país de origem, entre tais e tais anos, e que, nos últimos 30 anos, teve sua transmissão garantida em uma grande emissora brasileira de televisão. Contudo, é desnecessário falar tudo isso. Sobre o assunto, nada mais é novidade, só possíveis trocas de horário. Mesmo assim, chega a ser impressionante como a personagem é jovem ainda.
Não me lembro da primeira vez em que assisti a série, mas minha mãe costuma contar de sua surpresa ao saber que, algo que eu assistia, diariamente, na hora do almoço, tinha também sido acompanhado por pessoas que, naquele momento, já eram adultas.
Assistindo ou não, todos torcem para que Chaves nunca saia do ar. É aquele programa gostoso de assistir e que sabemos onde encontrar. A vila é sempre acolhedora, tem cara de lar. Os vizinhos, mesmo brigando, são sempre bem vindos. Tudo ali está congelado, um espaço que permanecerá cheio para sempre, por possuir uma juventude que nunca morrerá.
Gabriel Carneiro
Quando garoto – e ainda hoje, claro -, dinossauros me fascinavam. A ideia de lagartos gigantes terem dominado a Terra me fizeram querer ser paleontólogo, tive coleções e coleções de revistinhas sobre o assunto, de bonecos etc. Talvez o que tenha me aberto a esse mundo tenha sido o cinema. Dois filmes, em especial, me marcaram nesse sentido, com menção honrosa à série Família Dinossauro.
Em Busca do Vale Encantado (The Land Before Time, 1988), dirigido pelo mestre da animação Don Bluth, narra a aventura de cinco dinossauros infantes que enfrentam os maiores horrores possíveis para reencontrar suas famílias, em tempo de cataclismos que os extinguiriam. Trabalha, assim, com conceitos como morte, solidão, tolerância, futuro e passado. Durante a infância, assisti incontáveis vezes à aventura de Littlefoot. O filme terminava, rebobinava a fita e me punha a ver de novo, até a devolução da mesma à locadora e já aguardando ansiosamente pela semana seguinte. O filme ganhou diversas continuações. Nenhuma me cativou, talvez por não terem mais a sensibilidade de Bluth com contos infantis.
O outro foi Jurassic Park, que na época era apenas O Parque dos Dinossauros (1993), de outro mestre, Steven Spielberg. O cineasta traduziu para o presente todo o maravilhamento com aquele universo de Em Busca do Vale Encantado. Vi o filme pela primeira vez com cinco anos, no cinema. Certamente, os efeitos especiais tiveram um grande impacto. Spielberg dava forma a algo que só existia em livros e, principalmente, em minha imaginação. Era uma aventura.
É curioso rememorar esses filmes e destacar características neles que ainda hoje me interessam tanto no cinema – o gênero ficção científica, o tema da memória etc. Talvez os filmes da formação sejam realmente os mais importantes.