Por Marcella Grecco
Parece que o espírito natalino tem por excelência a característica de despertar sentimentos encobertos o restante do ano. Para o cinema, o Natal normalmente não passa de um pressuposto para dramas familiares. Em Um Conto de Natal (Un Conte de Nöel, França, 2008), de Arnaud Desplechin, a família Vuillard tem um novo problema. Novo, pois, já no início ficamos sabendo que o primogênito, Joseph, sofre de um raro tipo de câncer hematológico e somente um transplante de medula óssea poderia o salvar. Os pais, Abel (Jean-Paul Roussillon) e Junon (Catherine Deneuve), não são compatíveis, nem mesmo a irmã Elizabeth (Anne Consigny). Em uma última tentativa para salvar Joseph, Junon fica grávida de um menino, Henri (Mathieu Amalric), no entanto, um exame de amniocentese indica, antes mesmo do nascimento, que Henri também não seria compatível. Joseph morre aos seis anos de idade e Junon dá a luz a um filho “inútil”. Seis anos mais tarde nasce o último membro da família Vuillard, Ivan.
Henri é detestado pela mãe, a qual ele chama de Junon e nunca de mamãe. Elizabeth também não gosta do jeito do irmão, ainda que ele comprara um teatro somente para exibir as peças dela. Afundado em dívidas, Henri é ameaçado de prisão e Elizabeth paga o montante estipulado com a condição de nunca mais ter o irmão por perto. Henri, que sempre se sentira excluído da família, passa então seis anos cumprindo a sua promessa até a véspera do Natal em questão, quando realmente começa a história.
Junon descobre que sofre de um raro câncer degenerativo e que a única solução seria um transplante de medula óssea. Todos os filhos se mobilizam para descobrir se alguém é compatível. Paul (Emile Berling), filho esquizofrênico de Elizabeth é; Henri, o filho “inútil”, ironicamente, também o é. Assim, a família Vuillard se reúne após seis anos para o Natal, sendo que depois da data o transplante seria feito.
A chegada de Henri desperta uma série de discussões. Por onde ele passa as coisas esquentam; Elizabeth não pode nem mesmo olhar para ele. Romances antigos vêm à tona e desavenças do passado voltam a dar a cara. Entre uma discussão e outra- o filme é excessivamente verborrágico, como muitos outros exemplares do cinema francês-, conhecemos os personagens. Apesar de o filme ser bem longo (145 minutos), os conhecemos menos pelas ações e mais pelos diálogos. Parece que estamos sentados na mesa de jantar com aquela família e não se tem para onde fugir. Somos obrigados a acompanhar as discussões para entender melhor o que se passa.
Inclusive, os personagens, vez ou outra, conversam com a câmera, uma característica marcante do cinema de Arnaud Desplechin. É como se estivessem desabafando para nós e olhando para os nossos olhos. Não há receio em quebra da diegese. A câmera, em uma mesma tomada, dá zoom aqui e ali, de acordo com o necessário para o entendimento da trama, sem preocupação com cortes e suturas. Em uma cena cheia de elementos, pequenos objetos ganham seus significados pelo uso do mesmo recurso. Ainda que a conversa permaneça em off, uma fotografia, por exemplo, continua por um longo tempo em primeiríssimo plano.
Arnaud Desplechin faz uso de cartelas, não propriamente cartelas, mas o efeito de recorte característico a elas, em algumas cenas, assim como se utiliza de um teatro de sombras para explicar o passado da família no começo do filme. Estes são outros exemplos de quebra de diegese, pois são como “respiros” durante a imersão fílmica. De qualquer forma, não é preciso que fiquemos totalmente imersos naquela realidade para entendermos o que se passa com os personagens. Os dramas na tela são os dramas de todas as famílias e com certeza algo ou algum personagem irá despertar em nós curiosidade- e olha que são muitos. É, parece que o espírito natalino realmente nos deixa mais dispostos a dramas familiares.