O mamute e o dinossauro

Por Álvaro André Zeini Cruz

Captura de Tela 2015-06-29 às 23.52.06

No parque temático da Universal Studios, há duas atrações originárias das obras de Steven Spielberg – E.T. Adventure e Tubarão. Isso diz muito de uma parcela do cinema de Spielberg que se alicerça sobre essa ideia de atração e se ergue balizando o encantamento primordial que compõe a própria gênese cinematográfica. O cinema é, assim, instrumento viabilizador de passeios catárticos e inimagináveis, como o voo das bicicletas em E.T. Não que fossem viagens impossíveis antes das imagens em movimento, afinal, gêneros como o horror e a ficção científica já as propunham na literatura, mas nas telas, a partir das trucagens elementares de Viagem à lua, tomaram uma dimensão corpórea que evoluiu em efeitos e encenação, mas permaneceu abastecida por um único combustível: o fascínio pelo fantástico.

Do filme de Méliès ao episódio inaugural da série Jurassic Park, passaram-se noventa anos; a pulsação desse encantamento, entretanto, permanecia intacta. Os efeitos especiais – analógicos e computadorizados, – convergiam de forma azeitada no levantamento do parque pré-histórico idealizado por Spielberg; os trilhos desse passeio permitiam que, antes da ação, houvesse a contemplação. Diálogos expositivos, grandes explicações, tudo isso era desnecessário, afinal, não há muito o que se explicar quando os olhos veem e, no cinema, o olhar é quem predomina – se está na tela é porque existe, ao menos durante os próximos 90, 120 minutos de projeção. Faz parte do acordo.

Havia também a essência da aventura: a própria ideia de um parque nos realoca à infância, tempo cujo imaginário é habitado pela aspiração das mais variadas viagens insólitas. Tornamo-nos todos garotos-marujos rumo à Ilha do Tesouro, prontos às mais perigosas explorações, e, no caso de Jurassic Park, sempre permeadas pela trilha de John Williams, o que já desperta todo um imaginário. Ficção-científica, horror, são, portanto, gêneros saudosistas em suas essências, pois remontam a um imaginário inescapável de outrora, que pode ou não se estender com a mesma força pelo resto da vida, mas que jamais será extinto (e, quando latente, pode ser facilmente reavivado por uma arte como o cinema).

Essa nostalgia, presente desde o primeiro título, extravasa para Jurassic World, mais novo título da série. Sempre que o emblema, ou qualquer outra referência, dos filmes antigos desponta neste de agora, o filme sofre uma potência abrupta; quando eles se esvaem, o encanto instantaneamente se desfaz e tudo o que resta na tela são um bando de personagens estúpidos correndo de dinossauros. E é aí que está o problema…

A clássica jornada de transformação da protagonista (Bryce Dallas Howard) – de inescrupulosa e workaholic para moça de família – é desconjuntada; Chris Pratt não convence sem sua veia cômica; e os garotos… bem, se há dois parágrafos mencionei que uma das belezas do gênero era esse retorno à infância, acredito que nenhum de nós queira se identificar com qualquer um dos dois irmãos bobalhões, cujos problemas e personalidades cedem às necessidades pontuais da narrativa.

Não sobra muito ao que se apegar: a ameaça, um dinossauro geneticamente modificado, é envolta numa camada de suspense muito rarefeita, que logo se desfaz numa apresentação sem grande voltagem – e um abismo se abre quando se compara a introdução deste monstro com a de outro que recentemente esteve nas telas, o Godzilla de Gareth Edwards; o humor não tem timing (vide a cena que envolve a despedida entre dois funcionários do parque); e a ação, embora visível, parece sempre ser vista do ângulo errado, ou seja, põe abaixo a premissa cinematográfica do olhar privilegiado sem apresentar qualquer embasamento dramático para isso – e se a cena dos pterodátilos foi uma homenagem ao filme de Hitchcock (até porque há um moralismo cristão colocado ali, só que sem nenhum requinte), o mestre do suspense deve estar no além se lamentando pelo diretor Colin Trevorrow não ter sido devorado pelo Indominus Rex antes de cometer tamanha atrocidade.

Enquadrado na esfera da ficção-científica ou filme de ação, Jurassic World está mais para um mamute de proveta – daqueles que crescem com saudade de tempos não vividos – tentando se passar por dinossauro, o que se evidencia ainda mais se comparado aos dois primeiros filmes da franquia (como esquecer a eletrizante sequência do ônibus dependurado em O mundo perdido?). Contudo, nada ilustra tão bem seu descompasso quanto a trilha sonora: assinada por Michael Giacchino, ela perpassa o filme tentando recriar um frescor de novas aventuras – e é especialmente cansativa quando tenta pontuar momentos de drama, – mas só o encontra quando recai no tema original de John Williams. A nostalgia, quando crucial para uma nova obra, deveria ser a mola propulsora para que um novo corpo se forme. Porém, quando ela é a melhor substância ali contida, fica difícil defender essa nova existência, já que se pode voltar ao velho, ao filme de 1993, no caso. Diz o ditado que quem vive de passado é museu, mas entre as imagens indiretas e mal recicladas – essa nostalgia refletida – melhor mesmo é assumir a saudade e ficar com a matéria-prima.

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