Por Phillippe de C. T. Watanabe
Alguns títulos, sejam eles de filmes, séries ou livros, contêm em si, às vezes em poucas palavras, tantos significados que, imediatamente, fazem com que paremos e pensemos sobre o que estamos vendo, presenciando. Isto Não É um Filme (Jafar Panahi, Irã, 2011) cumpre perfeitamente este papel propulsor de reflexão. Panahi é um conhecido e premiado diretor iraniano que, em seus filmes, sempre busca a crítica à sociedade, principalmente em temas relacionados à desigualdade de gênero. É interessante o fato de, no Irã, seus filmes serem proibidos, ao mesmo tempo em que, como já dito, são premiados mundo afora. Desse modo, o diretor se torna um narrador do cotidiano iraniano, ou pelo menos de como ele enxerga o Irã, para estrangeiros.
Em Isto Não É um Filme, Panahi continua a representar o dia a dia iraniano, porém, foca-se em si mesmo. Não haveria outro jeito, considerando que o diretor, após problemas judiciais relacionados, em um primeiro momento, a atividades políticas e, em seguida, ao filme que estava fazendo, encontrava-se proibido de realizar atividades profissionais que tivessem relação com cinema. Panahi filma a si mesmo, filma um dia de sua vida em seu apartamento. Levantar da cama, preparar uma bebida e alimentar um iguana se tornam momentos a serem representados. Começa, então, com a ajuda de um amigo documentarista, a falar, ler o roteiro e até mesmo tentar representar o filme interrompido.
O diretor, ao longo da obra, busca nos mostrar todo o isolamento e angústia causados pela sentença que lhe foi atribuída. Ele se esforça ao máximo para a partir de fitas coladas ao chão, passar uma ideia de como seria o cenário do filme. Uma pequena almofada se torna cama e travesseiro. Fitas coladas sequencialmente são uma escada. O encosto de uma cadeira agora é uma janela por onde a protagonista do filme interrompido, também uma personagem que se encontra presa em sua casa, veria o mundo. Todo o esforço de Panahi, aos olhos dele mesmo, parece inútil. Em uma triste cena, em meio ao cenário improvisado, ele se questiona sobre o motivo de não poder realizar seu trabalho, e, ao não encontrar uma resposta lógica – principalmente por não haver a possibilidade de encontrar uma – levanta-se, um pouco irritado e muito sentido, e sai de cena. A câmera se demora no enquadramento em questão, continua a documentar a porta por onde Panahi saiu. Parece querer demonstrar todo o vazio criado pela condição imposta à personagem que acompanhamos.
Durante o dia documentado, em alguns momentos, Panahi fala um pouco sobre sua própria obra. Pega exemplos de personagens de seus filmes e os reflete no momento em que vive. Mostra, por exemplo, uma cena em que uma mulher, angustiada e confusa, corre por um ambiente que parece intensificar e retratar seu momento psicológico. Mostra, também, a cena em que uma criança se cansa da realidade fingida que vive e pede para que tudo aquilo pare. Ocorre uma grande aproximação com a realidade atual do diretor.
Acompanhamos algumas conversas ao telefone. Todas dizem respeito ao problema com justiça iraniana. Em uma delas, a advogada do diretor deixa claro que a pressão de fora, o posicionamento da opinião pública mundial em relação ao que acontece poderia pesar positivamente para a suavização da pena imposta. Nesse momento, torna-se visível, é explicitado para o público o objetivo, a finalidade política de Isto Não É um Filme. Estamos vendo um protesto.
Panahi, a partir de uma proibição, desenvolve uma criativa obra. Acaba por se tornar, nela, as personagens oprimidas que sempre representou em seus filmes. Obra e criador se confundem. Panahi, em frente à câmera, como personagem, demonstra seu total domínio sobre a cena, tanto a ensaiada, ficcional, quanto a real, que, agora, ocorre com ele mesmo.