Por Phillippe de C. T. Watanabe
Explosões consomem, alteram e destroem tudo que estiver ao seu alcance. Após a expansão das chamas, cria-se uma pequena área de vácuo, na qual o silêncio é profundo, nada parece próximo ou alcançável. Para qualquer ação, um esforço enorme parece necessário. Um Novo Despertar (Jodie Foster – 2011) – The Beaver, no original – funciona a partir dessa lógica de longos silêncios e grandes estrondos.
Primeiro, o silêncio. Walter Black (Mel Gibson) está flutuando, inerte, sobre um colchão de ar em uma piscina. Ele não possui perspectivas, não acredita em si. Sua visão, mesmo em uma situação de vida confortável como presidente de uma empresa, é totalmente negativa. A falta de um olhar pra frente escurece seus olhos, cega-o para a vida, e tal característica parece, inclusive, já ser apontada em seu sobrenome. A ausência de comunicação, da fala, torna-se sua companheira – situação habilmente mostrada pela diretora, conforme o protagonista, entre todas as personagens principais, é o último a falar, e ainda o faz em uma situação de extrema vulnerabilidade. A reação normal de Walter é a não ação ou qualquer coisa que o tire da realidade, o que, em seu caso, é alcançado pelo sono. Contudo, após o período de silêncio, vem a explosão. A depressão que consome o protagonista o direciona a duas tentativas frustradas de suicídio, sendo que, na última, momentos antes do instante fatal, ocorre o “despertar” do fantoche.
O castor passa a ajudar Walter em todos os seus relacionamentos, profissionais e pessoais. As pessoas parecem, aos poucos, acostumarem-se à nova situação e o mesmo acontece com o protagonista. O que, inicialmente, era um modo de conseguir quebrar a barreira comunicacional e emocional que o aprisionava, transforma-se em seu único elo com o mundo, a forma exclusiva de alcançá-lo. Walter não consegue pensar e agir “por si mesmo”. Não consegue tirar o fantoche da mão; existe somente através dele. A vontade própria e a força que o animal de pelúcia possui, considerando que seja possível dizer isso, tornam-se ainda mais assustadoras quando percebemos que ele é o narrador do filme, a voz over que nos detalha os acontecimentos e sentimentos. De modo interessante, talvez buscando equilibrar tamanha presença, a diretora Jodie Foster e o diretor de fotografia Hagen Bogdanski quase sempre utilizam planos conjuntos de Walter e do castor. Tal escolha acaba também nos aproximando do protagonista, mostra-nos que ali há uma pessoa em busca de uma vida melhor, de uma solução, seja ela qual for, para um problema que, para ela, era insolúvel. A escolha visual feita se torna ainda mais clara quando Walter começa a participar de programas de entrevistas. As câmeras das emissoras de televisão buscam, na maior parte do tempo, enquadrar somente o fantoche, puxando a situação para um tom mais sarcástico. Não se pode negar que, na vida real, em uma suposta situação parecida, grande parte dos programas teria, provavelmente, uma atitude próxima. Basta ver que dramas cotidianos são diariamente usados como propulsores de ibope. Ao inflar problemas do dia a dia, a parcela menos digna da televisão cria figuras caricatas – personagens teriam uma personalidade; o que vemos são imagens repetidas – inseridas em um grande espetáculo ignorante a qualquer moral ou preocupação com o real bem-estar de quem está em exposição. O close no fantoche evidencia o aproveitamento da situação crítica para a ridicularização da pessoa. A importância do ser humano se torna proporcional aos pontos alcançados no ibope.
Entre todas as personagens apresentadas no filme, uma ganha destaque. Porter Black (Anton Yelchin), filho de Walter, tenta ao máximo se distanciar da influência do pai. Anota em pedaços de papel cada ação, cada trejeito que remeta a Walter. Em último caso, quando a raiva e a angústia se tornam maiores do que pode suportar um post-it, a parede atrás de um mapa se torna o destino para sua cabeça. Desse modo, com um claro isolamento em relação aos seus colegas de escola – que só o procuram pela sua habilidade em realizar trabalhos escolares para outras pessoas sem levantar suspeitas, ou seja, emular a vida dos outros – e seus familiares, e com o hábito de infligir sofrimento físico a si mesmo, vemos em Porter a figura de Walter. Torna-se doloroso ver o medo do filho se materializando, tudo do que ele foge, aproximando-se.
Um dos pontos decepcionantes do filme é o quase esquecimento direcionado a Meredith Black (Jodie Foster), que se transforma em uma figura ligeiramente opaca. A personagem é pouco aprofundada – o que, em certa medida, acontece com Norah (Jennifer Lawrence) – mesmo possuindo papel central na trama. Aliado a isso, apressar-se, e, dessa forma, deixar passar ou ignorar questões relativas à história e às personagens, parece ser o maior problema do filme. Em muitos momentos, elementos importantes para as personagens – como a questão do irmão de Norah – parecem ser jogados, utilizados como atalhos de roteiro.
Após todo o silêncio e relativa calmaria possibilitados pela represa criada pelo castor na vida de Walter, veio a explosão. Com a barragem rompida, a casa é totalmente destruída. Meredith não aguenta mais a ausência emocional do marido e a estranha e dominante presença do castor. Ela parte com os filhos. Walter, sozinho, acomoda-se no quarto de Porter – o que, mais uma vez, transforma-se em um sinal da triste proximidade dos destinos dos dois. Ao se perceber refém de si mesmo, parte para o enfrentamento. Enfrenta sua mente metamorfoseada em um animal de pelúcia. É uma briga invencível. O castor não pode deixá-lo, não tão facilmente. Para se ver livre dessa parte de si, seria necessário arrancá-la. Para cortar troncos de árvores, castores têm dentes afiados; humanos têm serras elétricas.
Mesmo apressado em muitos momentos, o filme se torna interessante ao abordar a depressão de um modo diverso. Há planos estáticos e sombrios apontando a gravidade daquele estado, porém o ritmo da trama aponta para a tentativa de superação da situação. Além disso, respeita o que está relacionado à questão ao não dar respostas fáceis ou finais felizes. Tudo que envolve a depressão continuará lá. Ela pode ser contornada em certos momentos, ficar adormecida, mas ela estará lá. Pode não levar sua vida, mas, com certeza, levará partes dela.