Por Marcella Grecco
Já é de noite quando o Sr. Lazarescu (Ion Fiscuteanu) decide chamar uma ambulância. Passados quatro solitários dias vomitando e com dor de cabeça, o homem de 63 anos acha que uma antiga operação para o tratamento de sua úlcera está agora dando problema. Com cinco minutos de filme, ele liga para a emergência. Na espera pela ambulância, que chega depois de meia hora – o tempo fílmico é basicamente o tempo real –, vamos aos poucos conhecendo a sua história. Viúvo, o Sr. Lazarescu tem uma filha que mora no Canadá e não fala mais com ele. Poucos são os vizinhos que lhe dão atenção, afinal de contas ele é apenas um velho que mora em um apartamento sujo e cheio de gatos. Além disso, a fama de beberrão faz com que ninguém lhe dê créditos. Na noite em questão, depois de quatro dias de sofrimento, o Sr. Lazarescu resolve dar uns goles em uma bebida caseira.
Depois da chegada da ambulância, dá-se início a uma odisséia por quatro diferentes hospitais públicos em Bucareste. A cada parada, a mesma pergunta: “O senhor andou bebendo?”. E o Sr. Lazarescu responde: “Sim, um pouco. Como qualquer homem.”. O primeiro hospital está cheio, pois houve um acidente com um ônibus. Após examinar Lazarescu, ligeiramente bêbado, com dor de cabeça e vomitando, o médico lhe diz: “Tenha vergonha. Vá para o inferno você e sua úlcera! Você bebe e depois quer que o cure.”. Surge, então, o primeiro diagnóstico: o Sr. Lazarescu tem um problema no fígado e deve ser encaminhado para outro hospital, de forma a realizar uma tomografia. No segundo hospital, também lotado, ele é levado para a tomografia. Já estamos com quase uma hora e meia de filme. Durante a tomografia, Lazarescu é humilhado pelo médico, que acredita ser apenas o caso de um velho bêbado. Ao urinar sobre a maca, vira motivo de piada. Temos, então, um segundo diagnóstico: neoplasia.
Assim, ao lado da assistente de ambulância, a única que se compadece com a sua situação, Lazarescu vai de um hospital ao outro, sempre sendo tratado com descaso e desconfiança. Refém de um sistema de saúde público falido, Lazarescu é enfim encaminhado para a sala cirúrgica já de madrugada, depois de duas horas e meia de filme – cerca de seis horas no tempo diegético. Entre um hospital e outro, vários medicamentos e calmantes lhe foram dados. Na última cena, o senhor que antes pedira sozinho uma ambulância, já não consegue mais falar, sequer andar sozinho. Deitado em uma maca, lhe raspam a cabeça; será submetido a uma complicada operação no cérebro e assim termina o filme, afinal, a morte já fora anunciada no título e é o processo que importa ao diretor.
A Morte do Sr. Lazarescu (Moartea Domnului Lazarescu, Romênia, 2005), de Cristi Puiu, é mais uma interessante amostra do cinema romeno contemporâneo que tem se baseado em um realismo, seja pelas condições financeiras dos realizadores ou por uma escolha estética, para retratar o cotidiano de pessoas comuns frente às grandes instituições que passam a fazer parte da nova lógica socioeconômica nestes países pós-comunistas do leste europeu. A Morte do Sr. Lazarescu é o segundo filme de uma série de seis (Seis Histórias dos Subúrbios de Bucareste) que possui como temática o amor. Cristi Puiu diz que o filme é sobre o lento desaparecimento de um homem, que pede em vão por ajuda. O tema central é o descaso com outros seres humanos, sendo que o diretor apostou na estética para trabalhar o assunto.
A câmera, sempre na mão mesmo quando parada, humaniza o entorno. O uso de iluminação natural, que dá um tom amarelado à fotografia, ajuda na tarefa, pois ainda que tenhamos poucas informações sobre o Sr. Lazarescu, criamos uma empatia com o personagem. Apesar do descaso nos hospitais, não sentimos por parte de Cristi Puiu uma vontade de apontar o dedo e julgar os culpados. Pela estética do filme – câmera, iluminação e ausência de trilha sonora – e pelo tempo fílmico ser praticamente o tempo real, os personagens ganham outras proporções. Os hospitais estão cheios, as condições são precárias e os médicos trabalham dias e noites sem dormir, especialmente durante as madrugadas. Todos fazem parte de um sistema desumanizador e tentam levar as suas vidas da melhor maneira possível.
Neste processo desumanizador, Lazarescu transforma-se, aos poucos, em um objeto, apenas mais um caso médico. No começo do filme, temos longos planos de Lazarescu. Com o desenrolar da história, a própria câmera age com descaso e ele passa a aparecer, geralmente, ao fundo ou no canto do quadro. A Morte do Sr. Lazarescu, no entanto, não é um dramalhão. A comédia – isso mesmo, comédia- é construída com base na repetição, por isso o filme é tão longo (150 minutos). Desde o primeiro hospital, acompanhamos a batalha da assistente de ambulância em conseguir fazer com que Lazarescu seja atendido. Este passa sempre pelas mesmas perguntas: “Você bebeu?”, “Como se chama?”, “Por que fez xixi nas calças”, “Dói aqui?”, “Você acha que é a úlcera?”, e assim por diante. A expectativa de que tudo irá se repetir nos mantém presos à narrativa e é a repetida resolução que nos faz achar graça, ainda que, sem dúvidas, é preciso gostar de uma dose de humor negro.