De volta à Matterhorn

Por Marcella Grecco

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Antes de conhecer Theo (René van’t Holf), Fred (Ton Kas) se sentia terrivelmente solitário. A rotina que ele mesmo se impusera parecia ser a única razão para acordar todos os dias e levar a vida adiante. O café da manhã, servido sempre no mesmo horário, só podia ser tomado após a oração. Aos domingos, tinha de ir à missa e o restante do dia deveria ser reservado ao Senhor. Todas as noites, pontualmente às 18:00h, o jantar era servido; Fred cozinhava 3 batatas, 1 pedaço de carne e 10 vagens.

As cortinas pesadas impediam a luz de entrar. Da mesma forma, impediam os olhares curiosos dos vizinhos. Fred era um homem religioso e reservado, ao menos, é o que acreditava ser. Em sua casa, só se escutava Bach, estando as paredes repletas de homenagens ao ídolo – em cuja homenagem Fred deu ao filho o nome de Johann (Alex Klaasen). O garoto, no entanto, parece não ter feito jus à homenagem da forma como Fred esperava.

Ao que tudo indica, Fred sempre seguira o que a sociedade pregara, acreditando que fosse também o desejado pelo Senhor. Mesmo fazendo tudo aparentemente certo, o seu filho nascera gay. Fred, assim como a população da pequena comunidade calvinista na qual estava imerso, via Johann como uma aberração que devia ser corrigida, senão renegada. Não por acaso, depois de tentar corrigir durante anos o comportamento do filho, Fred decide expulsá-lo ainda jovem de casa.

Descobrimos com o desenrolar da narrativa que Trudy (Elise Schaap), mulher de Fred, morrera tempos atrás em um acidente de carro por estar abalada pela situação familiar. Sozinho e entediado pelo cotidiano da cidade em que sempre vivera, Fred vê em Theo uma interessante alternativa para contornar a apatia do seu dia a dia. Na ocasião em que se conhecem, Theo está perdido e Fred dá um dinheiro para a gasolina, acreditando que seria este o motivo de seu perambular pelo bairro. Theo, que não sabe falar, aceita a doação. No dia seguinte, ele está novamente perambulando pelo bairro. Incapaz de explicar de onde vem, Fred chega à conclusão de que se tratava, então, de um golpista. Como punição pelo golpe, já que percebe que Theo nem mesmo carro tinha, Fred o obriga a remover o excesso de grama da entrada de sua casa. Theo cumpre com o combinado, porém Fred nota, ao mandá-lo embora, que ele não tinha um lar.

Com pena de Theo, Fred oferece a ele o quarto de seu filho Johann. Theo, que só sabe dizer “yeah”, aos poucos vai se adaptando à rotina de Fred. Este, que se sentia solitário e entediado, passa a gostar da companhia. Os vizinhos de Fred, no entanto, começam a questionar a presença daquele homem na comunidade e, principalmente, em sua casa. Uma tarde, ao irem ao supermercado, Fred descobre que Theo tinha um curioso talento em imitar animais. À noite, durante o jantar, ao ficar levemente embriagado, Fred pede à Theo que faça algumas imitações. Como se não bastasse a estranha situação de um homem com seus 40 anos imitando uma cabra e o outro, ainda mais velho, assistindo e aplaudindo à cena, Theo veste uma roupa da falecida mulher de Fred e com este passa a dançar. Na manhã seguinte, Fred acorda de ressaca e, ao procurar por Theo, descobre-o na rua sendo alvo de chacotas por estar vestido de mulher e por não saber se comunicar.

Os vizinhos, perturbados, começam a suspeitar de uma relação entre os dois homens, além de passarem a questionar a sanidade de Fred por manter um homem vestido com as roupas de sua falecida mulher em casa. Irritado com as reações dos vizinhos, Fred deixa de ir à igreja e decide que Theo moraria permanentemente com ele. Frente a tal ocorrido, os vizinhos resolvem pichar a casa de Fred com os dizeres “Sodoma e Gomorra”, em menção às cidades que, segundo a Bíblia judaica, foram destruídas por Deus devido às práticas imorais de seus habitantes.

A presença de Theo e o afeto demostrado por este fazem Fred questionar algumas ideias que tinha como verdade absoluta. Em um primeiro momento, Theo parece ser apenas uma distração para ele, ou ainda uma espécie de segunda chance dada por Deus, um substituto do filho que ele deveria ter tido. Porém, devido aos olhares repreensivos da comunidade e ao progressivo preconceito que passa a experienciar, Fred começa a questionar o que estava fazendo de errado. Afinal, aos domingos ele escutava que precisava amar o próximo e dar ajuda aos necessitados, mas, quando efetivamente toma esta atitude e recebe Theo para morar com ele, passa a ser tachado por todos como gay. Da represália sentida, ele começa a questionar o que é certo e errado e quem é o responsável por decidir o tipo de pessoa que devemos ser. Fred se pergunta, então, se da mesma forma ele não havia sido injusto com Johann.

Foi em Matterhorn, uma montanha na Suíça, que Fred pediu Trudy em casamento. É neste mesmo local que o filme termina quando Theo e Fred vão passar a lua de mel após se casarem escondidos na igreja local. Quem paga pela viagem é a ex-mulher de Theo, que já tentara fazê-lo ficar em casa, mas ele, depois do terrível acidente que sofrera, não reconhece mais ninguém e não sabe mais se comunicar. O afeto que sentem um pelo o outro não é nada sexual, e o casamento parece ser, para Fred, uma forma de perdoar a si mesmo pelo que fizera com Johann. Antes do retorno à Matterhorn, Fred vai também pedir perdão ao próprio filho. Johann, vestindo um traje apertado e feminino, canta em uma boate LGBT quando observa na plateia o pai que não via há anos.

Em A Montanha Matterhorn (Matterhorn, Holanda, 2014), de Diederik Ebbinge, o que ganha destaque e é posto em debate não é o afeto entre dois homens, nem o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo, tanto que ao término do filme não sabemos exatamente o que se passa entre Theo e Fred; isto não importa ao diretor. A intenção parece ter sido denunciar o ódio, que de tão diligente, assusta, pois em um instante, toda a comunidade passa a condenar Fred pelas suas atitudes com Theo, como se o amor precisasse de explicação ou de justificativa para existir.

 

 

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