Por Gabriel Carneiro
Segundo longa-metragem da Vera Cruz, baseado na peça Paiol Velho, de Abílio Pereira de Almeida (que protagoniza a versão cinematográfica), Terra é Sempre Terra (1951), dirigido por Tom Payne, é um filme sobre crise e as novas ordens.
Há, mais claramente, a crise da cafeicultura e dos agricultores, em frente à ascendente industrialização paulista. É talvez o único filme ficcional que fale sobre tal período, da mudança de ordens em São Paulo. Até existem filmes que falem do período áureo da monocultura paulista, mais pela formação de São Paulo enquanto rico Estado do que qualquer outra coisa, mas sobre a crise é difícil ver, pois a vitória é, naturalmente, da indústria, dessa nova ordem econômica.
Talvez por isso Terra é Sempre Terra seja mais um filme sobre a própria Companhia Vera Cruz do que sobre a cafeicultura. O longa foi realizado bem no início da empresa, antes de sua crise. A proposta era fazer um novo cinema brasileiro, industrial, que pudesse competir com os filmes internacionais, em nosso mercado e no exterior, seguindo o modelo de produção hollywoodiana. Não houve economias para tal. A crença de que a Vera Cruz daria certo por parte de seus empresários – e da imprensa paulista da época, entre outros – era a crença na indústria enquanto instituição e conceito. Acreditavam na Vera Cruz por acreditarem na industrialização do cinema brasileiro.
Até certo ponto, estavam certos. Ao que parece, após 60 anos de seu fim, a derrocada da Companhia é mais fruto de má administração e de más negociações do que qualquer outra razão. É nessa idealização desse novo cinema que se enquadra Terra é Sempre Terra. Nele, há a oposição entre o velho e o novo, as diferentes ordens econômicas. De um lado, a manutenção da aristocracia, da cafeicultura, da tradição e do campo – personificados pela mãe do personagem de Mário Sérgio e pelo personagem de Abílio Pereira de Almeida, que não é um latifundiário, mas quer se aproveitar do descuido dos donos para se tornar um proprietário de terras -, do outro, a indústria, o urbanismo, a badalação, o que de novo havia – capitaneados pelo personagem de Mário Sérgio.
A terra está lá, o Paiol Velho, e é o objeto de desejo. Todos a querem, menos Mário Sérgio. O título vem de uma espécie de provérbio, que justifica a manutenção da terra como o maior bem que existe, desvalorizada ou não. Terra é sempre terra, através dela, você terá sempre onde viver e do que comer. Valoriza-se a terra, mas como por garantia. Durante todo o filme, ninguém quer saber da cidade, da indústria, das modernidades. É como se a Vera Cruz mostrasse que, mesmo numa possível contracorrente, eles poderiam vingar. Afinal, quando tudo parece que vai dar errado, surge a esperança.
Estranho pensar isso, ainda mais levando em consideração de que o personagem que parece sair vitorioso, aquele a favor da indústria, é o herdeiro das terras, é o latifundiário. Talvez exista outra mensagem: está na hora aderir-se a novos negócios, e manter assim a posição social – o que também poderia servir para Vera Cruz: invistam no cinema brasileiro.
Ao final, fica claro que quem venceu é a indústria. A terra, aparentemente perdida, continua lá, à espera, na família, como garantia.
Pouco sabia a Vera Cruz que o seu destino estaria no título do filme Terra é Sempre Terra – o cinema ficara apenas mais bem acabado, com mais qualidades técnicas, porém sem grandes inovações. O novo cinema não teria chegado realmente. O que se sabe, concretamente, é que a experiência de um cinema industrial nos moldes da Hollywood clássica não vingaria por muito mais no Brasil; logo sucumbiriam também a Maristela e a Multifilmes. Pelo menos, os filmes da Vera Cruz ficaram, e podemos constatar que, mesmo não inovando, faziam belos filmes, como este.