por Álvaro André Zeini Cruz

História de Amor Sueca, de Roy Andersson, começa onde termina Meus Pequenos Amores, de Jean Eustache. Para mim, retorna quase 15 anos depois da sessão no cineclube Janela, no auditório da CinetvPr.
Já no prólogo campestre, o decano à mesa diz algo que retumba, constrangendo adultos já arruinados e iniciando a lenta corrosão dos jovens Pär (Rolf Sohlman) e Annika (Ann-Sofie Kylin) — “este mundo não é feito para pessoas sozinhas”. É sobre o peso dessa asserção atravessante, que os dois adolescentes-quase-crianças se veem à distância. Essa troca de olhares se repete entre sustentações e desencontros, em meio aos pequenos bandos festivos que Roy Andersson usa para velar e desvelar essa tentativa contraditória de enxergar, escancarada (na persistência) e inconfessa (no congelamento).
São três festas, que dilatam essa a faísca do desejo no brotar da sexualidade. Os adultos — distantes do nascer e conscientes demais das dores que anunciam a outra ponta —, pouco interferem nesse jogo de erotizações composto, entre cigarros, jaquetas de couro e xerez, por garotos e garotas por volta dos 14 anos. O pai, cuja coleção de armas paira sobre retratos de bebês, a um só tempo, anuncia e aconselha: “No quarto atrás de mim, sua mãe está deitada, abatida. E eu sou um idiota”. Mais tarde, a tia pergunta a idade de Annika e, ponderando ser o bastante, confessa — “Eu estou tão sozinha”.
Os olhares — o que Andersson filma melhor — findam quando o choro finalmente escorre diante da moto que parte e volta, na cena que consolida a imagem-imaginário do filme. A partir de então o romance pendula entre o lúdico e o corpóreo, o idílico e o sexual, até que passa a ser suspenso pela intromissão dos adultos, que, ainda que não interfiram diretamente, exalam uma atmosfera empesteada, rançosa, que vai cercando e contaminando esse filme de sol resplandecendo sobre os cabelos, até culminar na névoa, no ato final.
Ali, o filme já é pura alegoria, que apaga Meus Pequenos amores e espreme a história de amor. Talvez por isso, para se salvaguardarem e não adoecerem, Pär e Annika se retiram, deixando os adultos entre seus gritos guturais. Andersson, que começa lembrando Eustache, se aproxima de De Som e de fúria, de Jean-Claude Brisseau, ao injetar, vagarosamente, o veneno de todos os dias nas entranhas desses dias que transitam da infância à adolescência. À parte do grupo de adultos infantilizados em chapéus festivos e babadores, Pär e Annika se abraçam a sós, para nunca mais retornarem à tela. Uma História de Amor (Sueca) que se retira para poder sobreviver.