Tweets para Maria de Fátima

por Álvaro André Zeini Cruz

Cara Mari Fati,

Como vai? Sei que não nos seus melhores dias, mas tenho certeza de que a vida há de lhe sorrir. Ou a Manuela. Tanto faz.

Começo, Fátima, tentando fazê-la ver a parte cheia do copo: o castigo da CLT não é tão castigo assim; na verdade, é o sonho de muitos dos brasileiros que não caíram no canto (ou conto) do empreendedorismo mágico.

A vida não é mágica, Fati, ainda que as de Vale Tudo, às vezes, pareçam ser, com conflitos que se abrem e fecham sob o condão dessa ficção-TDAH, propícia aos cortes.

É por essas e outras que você é a personificação da novela, Fati, a narradora secundária mais próxima do meganarrador, espécie de “Fatimore”, cujo ócio é vivido em uma criatividade dispersa, em planos que, muitas vezes, não articulam lé com cré.

Coisa da idade, da geração, dos tempos. E da mão que escreve esse seu voo em “céu de brigadeiro” (talvez você nunca tenha ouvido essa expressão; ah, sim, eu espero você gravar uma receita de brigadeiro com whey para triatletas. Só não desfalque a dispensa da padaria; CLT é uma luta nos dias de hoje).

Como ia dizendo, você teve mais dias de glória do que dias de luta, Fati, ainda que você não seja a Glória, seja a Bela. Aliás, com o perdão do trocadilho tosco, isso não se pode negar: foi uma bela de uma reencarnação. Faltou história, mas sobrou talento, seja na languidez sedutora da voz, seja no tique de ajeitar os cachos. Os cotovelos que se doam.

Feito esse aparte, é preciso observar que os dias de Glória foram muito menos gloriosos do que os seus. Por exemplo: você escapou de muitos dos cercos de Marco Aurélio. Também se safou de ter que inventar muitas aulas de etiqueta, pintura e cerâmica para dar suas escapulidas. Conseguiu passar bastante tempo com César sem ser incomodada.

(A moça da mesinha na calçada está pedindo um sonho. O doce, Fátima, não vá incitar a garota a vender a casa da mãe!).

Pronto? Bem, com o casamento abreviado, diminuiu também a outrora divertidíssima disputa de poder travada com Celina, mais viva e bisbilhoteira do que esta que você encontrou. De quebra, você se livrou de uma longa gravidez em quase cárcere, à espera do exame de DNA, e, nas escapulidas, frequentou “muquifos” que mais pareciam apartamentos de classe-média. Até da barriga de látex você se desvencilhou, Fátima. Já dá para ter um vislumbre do que quis dizer com céu de brigadeiro, não?

É verdade que você teve que conviver com um César com uma pitada (ops, foi demais) do Joey, de Friends. Riccelli coraria com tamanho hiperfoco em franquia de açaí (dê um Google que você descobre quem é Riccelli e Bruna Lombardi). Não falemos dos bebês reborn, os únicos vendidos nesta versão, castigados com piadas de monocromia muito piores do que uma CLT. 

É, você não pode entender a química entre Fátima e César, mas tenho a impressão de que a culpa não foi sua. No mais, havia alguma alquimia com Olavo, alguma faísca até com Ana Clara. Mas, nesses momentos, tenho a impressão de que você estava (des)ocupada demais tentando melar o romance entre Celina e o fricassé, o primo chique e sem graça do bom e velho strogonoff. Tem PF aí na padaria?

Nessa ânsia de viver o hoje, Mari Fati, faltou pensar a vilania para o amanhã (já dizia o jingle “o futuro já começou”). Você não sabotou carros, nem furtou objetos e pôs a culpa na empregada (o quadro de Heleninha não vale, não deu em nada). O único sangue nas mãos que você tem é pela morte de Ana Clara, que renunciou sua esperteza inata para entrar na vibe Fatimor. Acabou sem caixão, cruz e gratiluz.

Como Gilberto Braga dizia em seus diálogos, faltou tutano, Fátima. Sobrou um soberbo “Rashomon”, mas faltou “Stella Dallas”, “Imitação da Vida”, “Perfídia” (não consigo deixar de imaginar o que seria para Afonso ter um câncer ao seu lado). Você poderia ter tido, por exemplo, uma bela e inédita trama de rivalidade com Gilda, o sangue ingrato vs. o coração afetuoso. Não aconteceu. Botemos a culpa no mordomo, esse Eugênio que não cita os clássicos e prefere ver desenho animado.

Ah, sim, sobrou amor de mãe. Raquel (sabe, aquela que te deu à luz?) teve muito mais compaixão por você, Maria de Fátima. Tanta que, por um bom tempo, ficou em banho-maria, quase sem conflito. Aí caiu (sob o vento das humilhações) e subiu (pela benevolência da branquitude) repentinamente algumas vezes, até ser, de novo, furtada por você, Fátima.

Afinal, não bastou vender a casa da mãe; sem saber que era impossível, você foi lá e fez: se intrometeu no segredo de Odete, fez uma chantagem mequetrefe que, num looping incessante, escanteou a pobre Raquel, tirando dela o protagonismo na derrocada de Odete Roitman.

Se suspeito de você, Fati? Um pingado e um pão na chapa e já te falo.

Não, Fátima, ainda que pudesse ser surpreendente vê-la como assassina após meses de “vilania-soft skill” (esse é o termo do momento, põe aí no seu currículo). Mas, na ciranda do amor, Solange amava Afonso, que amava Fátima, que amava César, que era amado por Odete e Olavo. Portanto, minha aposta é que nessa história de Os, só um pode dizer “meu bem”.

Há outra possibilidade: vivíssima, Odete forjou a própria morte, passou pelas mãos mágicas do Dr. Felipe Barreto, e surgirá plena numa praia paradisíaca (clichê) ao lado de Freitas, que aproveitará do bom-gosto da nova patroa. Não será mais Débora Bloch, mas a escalação original, Fernanda Torres, que olhará para a câmera e dirá: 1) “Odete ainda está aqui” ou 2) “A vida presta”.

Pensei em fazer desta carta um vídeo, Maria de Fátima, mas a falta de traquejo e o medo das reações dos Fatimores me fizeram optar por algo mais discreto e pessoal. Espero que você tenha reparado no esforço que fiz por parágrafos curtos (a ideia era serem tweets, mas a quantidade de caracteres é, para mim, um desafio geracional), assim você pode ler aos poucos no castigo (digo, no trabalho), ou intercalar os parágrafos entre cenas de Vale Tudo. Se me permite uma sugestão, eles sobrepõem bem a sub-subtrama do ciúme de André e Aldeíde.

Um abraço a Bela, que, entre todos esses pesares, fez um trabalho hercúleo,

Álvaro André Zeini Cruz