por Álvaro André Zeini Cruz

Otis (Asa Butterfield) que amava Maeve (Emma Mackey) que (achava que) amava Jackson (Kedar Williams-Stirling), mas percebeu que amava Otis quando ele (achava que) amava Ola (Patricia Allison) que, mal-amada, descobriu que amava Lily, que queria amar (ou melhor, transar com) alguém (ou melhor, com qualquer um) da quadrilha.
Um cronista/contista como Carlos Drummond de Andrade ficaria estupefato com a aptidão que séries adolescentes têm de estufarem uma boa quadrilha. Sex Education não é diferente; Otis amou Maeve em segredo assim como Joey amara Dawson silenciosamente ao longo de uma temporada inteira de Dawson’s Creek (e, tal qual Dawson, Maeve só tinha olhos para Jackson, apesar da disponibilidade incessante de seu admirador platônico). Claro que tamanha devoção gera outros conflitos: para estar com Maeve — e resolver um dos casos que dá à série uma característica um pouco mais episódica —, Otis se desencontra com Eric (Ncuti Gatwa), o melhor amigo que, preterido, acaba vítima de uma violência homofóbica. A base do conflito não é nova: Ryan vivia descartando Seth para socorrer a Marissa, a garota-problema de The O.C.
Se há alguma novidade em Sex Education, ela não está nos conflitos (ainda que haja uma percepção acertada da diversidade e de outras questões atuais), tampouco na tipologia de quem os vive; as personagens podem até soar originais e, certamente, adequadas aos tempos, mas, passados alguns episódios, percebe-se que o que se tem é uma pitada de singularidade sobre tipos que continuam variações provenientes da adolescência cinematográfica estabelecida (e exportada) por John Hughes (e depois, na TV, por Barrados no baile). Entretanto, a série da Netflix é, sim, um bom expoente para se pensar o tom: se nada é novo, o que soa fresco em Sex Education? Ora, justamente as tintas sexuais que, desde o título, admitem transas divertidamente tremulantes (há uma em que o personagem, de bumbum de fora, sussurra sensualmente “babaganuche”), representações de ereções sob jeans, masturbações poéticas/flutuantes, e alguma nudez (sem ser castigada) entre discursos calculadamente pedagógicos e desencaretados.
É claro que, para se ter tudo isso, é preciso que o sexo seja encapsulado numa atmosfera fofa e agradável, capaz de fazer do pai-diretor tirano mera caricatura e apresentar o bairro da menina pobre como um conjunto de trailers pintados em cores pastéis, milimetricamente dispostos num belo vale verdejante e solar. Sex Education pode não ter novidades dentro do gênero em que se coloca, mas não dá para deixar de imaginar o pitching de uma série como esta para um player como a Netflix. (Uma digressão: certa vez, numa rodada de negócios, me disseram que a Netflix procurava suspenses-família. Perguntei o que isso significava e a produtora me explicou que era algo que tivesse tensão na medida para não causar congestão depois da macarronada da vovó, no almoço de domingo).
Imagino um desses engravatados (agora com a cara do Will Ferrell em Barbie) perguntando: “Mas isso não vai constranger as pessoas? Explica melhor como vai ser”. Então Laurie Nunn, a showrunner, responde: “Sabe aquela série Skins? Então, pega Skins e bota uma pitada de Gilmore Girls”. Mas, ao ver Ferrell fazendo contas, Laurie emenda: “Quer saber, bota logo todo o pote de Gilmore Girls”. O executivo sorri, e Laurie Nunn coloca a cereja do bolo (nas séries teen é sempre a música): “Sabe On the radio, de Grey’s Anatomy? Então, vamos trocar a voz serelepe da Regina Spektor por um folk e colocar no cliffhanger entre temporadas!”.
Assim (imagino), fez-se a série. Gostosa e gozada? Certamente. Original? Não. Definitivamente.