The Plot against America

por Álvaro André Zeini Cruz

(Texto originalmente publicado em 2021, em rede social. Contém spoiler).

The Plot against América ficcionaliza a hipótese de que um presidente estadunidense se alinhou a Hitler. Para turvar ainda mais essa adesão, o presidente — um aviador que sustenta a imagem de herói de guerra, másculo e jovem — instrumentaliza um rabino deslumbrado pelo poder para escamotear o projeto eugenista sob um discurso disfarçado de pacifista. A cortina de fumaça que esse rabino lança/é junto à comunidade judaica passa pela lapidação de uma imagem familiar; e da mesma forma como é aliciado (ainda que não perceba), ele coopta Evelyn, personagem de Winona Ryder que não enxerga um palmo à frente. Apesar disso, é ela quem estabelece o trânsito entre a esfera do poder público e o microcosmo íntimo e familiar que apresenta o casal Elizabeth e Herman, protagonistas interpretados por Zoe Kazan e Morgan Spector.

A narrativa se desenrola em banho-maria, com o nazismo cercando a casa e essa vizinhança como uma assombração. Elizabeth o percebe antes, mas Herman subestima os fatos; ele beira o negacionismo, tão inabalável é a crença que tem no american way of life. Quando se dá conta, o que era um fantasma à espreita já é doméstico — adentrou a porta, circulou encanamentos, contaminou cômodos e começa o contágio dos corpos pela “possessão” do primogênito. A concretude do sonho americano se dissipa porque era ilusória; o sonho, justamente pelo material, era volátil. O banho-maria é lento, mas é um processo que também causa evaporação.

Quando um conflito civil explode, Elizabeth tem que acalmar o filho da uma ex-vizinha por telefone. A mãe do menino está desaparecida; ela havia sido transferida para um estado sulista (por uma artimanha de Evelyn), e Elizabeth suspeita que ela foi assassinada pela Klu-Klux-Klan. Está certa; Elizabeth percebera o nazismo se esgueirar entre os canteiros antes de qualquer outro ali.

Então, Herman e o caçula cruzam o país para resgatar o garoto; na volta, o drama é interrompido — e soterrado — por outro gênero: o horror. Ao dirigir pela cidade incendiada, Herman cruza um estabelecimento e, pelo vidro do motorista, vê-se um indivíduo da KKK sem o capuz. Os olhares tensos de pai e filho se deixam distrair pelo Mal desmascarado; não vislumbram que outro homem, desta vez em traje completo, se põe diante do carro. A forma como essa presença nos é revelada não poderia ser mais aterradora: num movimento de chicote violento, que estaciona rigorosamente sobre a brancura da indumentária tenebrosa. O fantasma do nazismo — que, a princípio, parecia etéreo e distante do solo da América —, desencadeia e corporifica outro com quem compartilha ideais, e que se posta como um monstro alvejante diante do carro de um pai que se considerava a salvo sob a democracia consumida, mas não consumada. O esfumaçado na imagem é o background desse monstro, porque não é mais insinuação, temor. É rastro de um país de pólvora.

Quando a fumaça se dissipa e Evelyn percebe que ela, judia, se sentara à mesa com nazistas (inclusive literalmente), procura a irmã para protegê-la. Ciente do papel de Evelyn na condução do mal pelas entranhas do país, das casas, das famílias, Elizabeth a abraça, e é nesse abraço que solta — “Tenha certeza que eu sempre a amarei. Mas nunca a perdoarei”. Essas duas frases encerram a catarse e o clímax do Plot: a cisão com quem compactua com o horror é incontornável. A adaptação televisiva de Philip Roth foi feita em momento preciso; é uma ucronia que diz muito sobre a contemporaneidade.