Passeio com Aprà

por Álvaro André Zeini Cruz

Quando se é jovem, há um monte de coisas que a gente não sabe (mas que sempre acha que sabe) e uma porção de gente cuja importância desconhecemos. Eu era jovem, 18 anos (talvez 19) e trabalhava no Festival de Cinema do Paraná em troca do terror dos universitários — as famigeradas “horas complementares”. Estava ali meio à toa pelos corredores do MON (Museu Oscar Niemeyer; Museu do Olho, para os íntimos) quando um colega (desconfio que hoje o mais bem-sucedido da nossa sala) me chama: “você fala um inglês razoável, não? A produção está procurando alguém que fale um inglês razoável”.

Se tem algo que meu inglês é, é razoável; nem para mais, nem para menos. Fui ver do que se tratava. Queriam alguém para acompanhar um dos palestrantes num tour por Curitiba (eu não era de Curitiba, mas disseram que não tinha problema). Apontaram discretamente o sujeito: era um senhorzinho magro, de camisa azul claro e óculos marcantes, visivelmente entediado numa cadeira dura, dessas de evento. Era Adriano Aprà. Àquela altura, eu já me arriscava em alguns textos críticos, mas quando se tem 18, é provável que entre as muitas coisas que você não sabe (mesmo estudando cinema) esteja “quem é Adriano Aprà”.

Adriano Aprà — um dos maiores nomes da crítica de cinema na Itália — e eu embarcamos, se não me engano, em um táxi (e se essa memória estiver correta, custeado obviamente pelo festival já que era uma época que eu não tinha um tostão no bolso ou no banco). Partimos do MON, os dois no banco de trás; ele às costas do banco do passageiro, olhava a cidade com uma curiosidade inviolável. Às vezes, sempre com a cabeça colada ao vidro, se inclinava para ver o topo dos prédios. Talvez esta seja uma melhor descrição à cena: se houvesse uma câmera do lado de fora, rente à janela, Aprà reconstituiria, sem querer, o pôster de O Ano em que meus pais saíram de férias.

À certa altura, na Visconde de Guarapuava, sentido centro da cidade, ele esboçou um comentário com pausas encantadas: “os prédios… são cada um de uma cor. Bem diferente da Itália”. Eu, um bauruense em Curitiba, fiz o que pude: ia narrando os nomes dos bairros e me atrevia a localizar minimamente a proximidade de alguns pontos turísticos. Mas Adriano Aprà tinha um destino, ou melhor, queria ver uma coisa; numa das mãos, ele trazia um livrinho que contava sobre um suposto edifício com apartamentos rotatórios. Eu nunca tinha ouvido falar sobre o tal prédio; o motorista disse que sim, mas com aquela firmeza de quem tentava engabelar ou reiterava uma espécie de lenda urbana. Aprà tinha a informação ali, impressa, à mão; ficava lá para os lados do Barigui, aquele bairro que, para mim, era meio inalcançável porque era um desses bairros chiques distantes do centro (dos bairros chiques, eu só chegava ao Batel, onde havia as salas do Unibanco Arteplex).

Custou, mas, entre as curvas do Barigui (numa época em que não havia Waze e cia.), encontramos o tal prédio giratório. O Google, agora, me diz que o nome do edifício cilíndrico é Suíte Vollard e que está localizado mais especificamente no Mossunguê, bairro próximo ao Barigui. Diante da torre que espelhava a tarde nublada, segui até a portaria para ouvir a negativa óbvia; claro que não poderíamos visitar o prédio assim, sem mais nem menos. Fosse há dois anos, seria mais fácil já que os apartamentos estiveram a leilão; segundo consta, sem nenhuma oferta. Olhamos o prédio por alguns minutos. Então, demos meia volta e, entre conversas corriqueiras numa língua que não era de nenhum de nós, retornamos às curvas arquitetônicas de Niemeyer. Fazia um calor incomum para Curitiba.

Na tarde seguinte, apesar de continuar não sabendo muito sobre Adriano Aprà, assisti — com algum interesse e muita simpatia — a palestra que ele ministrou sobre enciclopédia audiovisual de Roberto Rossellini. Não me lembro muito do que falou; aliás, nem na palestra, nem no carro. Mas lembro da insistência daquele senhor que veio falar sobre Rossellini e descobriu o prédio rotatório. Quis porque quis achá-lo, vê-lo, e viu. Antes, olhou atentamente a cidade pela janela. Curiosidade. Lição crítica de Adriano Aprà, que chegou a mim antes que eu chegasse a suas entrevistas e textos. Ainda que eu só me desse conta disso bem depois.