O Retrato geracional de Nosferatu por Robert Eggers

por Nicole Menegasso*

Dentre tantas reinterpretações que Eggers poderia dar ao icônico Conde Orlock, ele preferiu transformar a história em um enlatado americano de bons costumes e servir para o novo consumidor de filmes vampirescos da década de 20.

Faz sentido, em um mundo pós-pandemia e num momento político tomado por valores conservadores, que Nosferatu(1922) ganhe uma nova roupagem. Há 100 anos, o filme foi um marco do expressionismo alemão, carregado de simbologias, em um período de instabilidade política, onde o movimento nazista ganhava força e os alemães lidavam com os impactos da derrota na Primeira Guerra, como o medo da peste e da morte.

Um século depois, o mundo se encontra em uma situação similar: um pós-pandemia com traumas e perdas irreparáveis, instabilidade política com valores que flertam com o fascismo, e o medo do estrangeiro são algumas características que marcam o início da década de 2020.

A reinterpretação de Eggers de Nosferatu parece seguir uma linha segura ao ignorar a herança deixada por seu antecessor, Werner Herzog, que adotou uma abordagem mais filosófica e menos voltada para o susto imediato nos anos 1970. Eggers, por sua vez, se apega aos padrões do terror contemporâneo, talvez como uma tentativa de dialogar diretamente com as ansiedades das novas gerações, que buscam um terror mais visceral e imediato, mas ao custo da profundidade simbólica.

Se por um lado Eggers cria um mundo escuro e sombrio, por outro ele acaba sendo excessivamente estéril, transformando o filme em algo tão frio que todos seus personagens parecem mortos, mesmo que apenas um realmente esteja. Com uma trilha sonora épica e uma ambientação cafona, a produção se torna um clichê audiovisual, não trazendo nenhum frescor narrativo ao espectador. Talvez Eggers tenha tentado capturar o excesso da pós-modernidade, mas acabou exagerando a ponto de enfraquecer sua proposta original.

Uma das únicas vezes em que Eggers faz uma verdadeira referência a Murnau e ao expressionismo alemão é na cena final, onde a sombra de Orlock é projetada de forma impactante ao subir até o quarto de Ellen. Esta cena cria um momento de tensão importante para o filme, mas infelizmente, ela não é suficiente para salvar a pobreza criativa que permeia o restante da obra. O filme se perde em grandes clichês e tentativas de criar uma atmosfera gótica e sobrenatural, sem conseguir criar ao menos uma atmosfera única ou inovadora.

Outro aspecto crítico é o exagero que se infiltra em toda a obra. Quando mencionei Herzog e a contracultura em seu filme, não foi por acaso. Eggers opta por ir na direção oposta, abraçando todos os clichês cinematográficos típicos dos filmes de terror dos anos 2010. Cada cena parece carregada de tensão exacerbada e medo forçado. Parece que todas as áreas pecam pelo excesso e a falta de equilíbrio entre fotografia, arte e som traz um desconforto que torna os primeiros 30 minutos de filme extremamente cansativos. 

O filme, por ser contado da perspectiva dos “mocinhos”, carrega uma carga conservadora que permeia toda a narrativa. O Conde Orlock, personagem central, é retratado de maneira superficial, sem qualquer profundidade psicológica ou emocional, o que contribui para a banalização de seu papel. Nesse cenário, Orlock não é apenas o monstro, mas a representação de um “outro” perigoso e estrangeiro, que simboliza a ameaça de contágio e a disseminação de crises sanitárias (como a pandemia). A figura do vampiro estrangeiro se torna um reflexo das ansiedades contemporâneas em relação ao medo do invasor e à preservação da “pureza” da sociedade, alinhando-se aos valores xenofóbicos que ganham força na era atual. O modo como Eggers manipula essa figura de Orlock, com seus traços grotescos e inumanos, ecoa os discursos de “limpeza” e “proteção” que caracterizam o conservadorismo radical, sugerindo que o mal vem de fora e deve ser erradicado, deixando a população “protegida” do que é visto como alienígena e destrutivo.

O desejo de Orlock por Ellen, embora reinterpretado no contexto atual, é um reflexo das discussões sobre poder, consentimento e relacionamentos tóxicos. O vampiro é mostrado para explorar temas de dominação e submissão, mas, apesar de sua carga sexual implícita, Eggers adota uma abordagem comedida ao tratar da questão. A sexualidade do vampiro é abordada de maneira ambígua, deixando uma sombra de dúvida sobre o que realmente ocorre entre ele e Ellen.

Ao se abster de uma representação explícita e direta, o filme cria um espaço de incerteza, dando ao espectador a liberdade de questionar se Ellen foi vítima de abuso. Apesar de tantos momentos de violência gráfica, Eggers decide usar a sutileza para transmitir sua crítica, como se tivesse medo de comprometer o protagonista por completo.

A abordagem clássica que permeia o filme é um prato cheio de bons costumes para o americano conservador, ou um conto fantasioso que, ao mesmo tempo, serve como uma isca disfarçada para um público jovem e apolítico. Assim, Eggers, ao tentar reviver um ícone do cinema, acaba reproduzindo uma fórmula que limita as potencialidades do próprio filme.

*Nicole Menegasso mora em Carapicuíba, na região metropolitana de São Paulo. Formada em cinema, sempre foi apaixonada pela sétima arte. Ao longo de sua trajetória, dirigiu, roteirizou e produziu projetos de forma independente. Além do trabalho prático, tem um forte interesse em escrever sobre filmes, o que a levou a se aprofundar na crítica cinematográfica e a se aperfeiçoar cada vez mais nesse campo. Além de publicações na revista Pós-Créditos, também já contribuiu com artigos para a RUA-UFSCAR.