por Evandro Scorsin

Godard está morto. Escolheu o suicídio assistido pra se livrar do esgotamento da vida. Eis então sua resposta para Camus e seu problema filosófico mais sério, o suicídio. A pista ele já havia dado em 2018 depois de Imagem e Palavra, quando disse que o goodbye para o cinema viria após terminar seus dois próximos roteiros. Se cumpriu o que disse não sabemos. Só podemos nos enlutar por seu último ato de rebeldia e sua recusa de aceitar uma vida que não vale a pena ser vivida. Para Camus em O Mito de Sísifo, a verdadeira rebeldia é viver. Mas o que poderíamos esperar de Godard senão a contradição? Nicholas Ray, um de seus cineastas de predileção, e assim como Godard um cineasta rebelde e autodestrutivo, escolheu morrer quase que de frente para as câmeras em Um Filme para Nick. Alguns anos antes havia feito um filme experimental, We Can’t Go Home Again, em que encenava sua própria morte, também um suicídio contra a impossibilidade da vida. Enforcado na raiva, sussurrava suas últimas palavras “Eu fui interrompido”. Ray se suicida na ficção, Godard na realidade, ou vice versa.
Os dois cineastas tiveram muito em comum. Poetas da cor e da violência, muitos de seus personagens aceitaram a morte como o último ato de rebeldia contra a impossibilidade da vida. A queda de Belmondo no final de Acossado é um espelho da queda de Farley Gargney em Amarga Esperança. Aliás, não seria Pierrot Le fou um remake desse mesmo filme de Ray? O casal que foge do mundo e busca a plenitude da vida fora da sociedade. No fracasso, encontram a morte, e no encontro com a morte, triunfam sobre a vida. Eis a dialética Godardiana.
Em sua última entrevista aos Cahiers du Cinéma, Godard coloca lado a lado esperança e ilusão. Voltando a Camus. É na esperança de alcançarmos um dia a terra prometida que suportamos a ausência de sentido da existência. Não para o homem absurdo. Não para Godard. Não para Ray. A ausência para eles não é um problema. Para eles, esperança e ilusão caminham juntos. Quer dizer, não lutam pela terra prometida. Sabem que vão perder, sabem que qualquer batalha já está perdida. São indubitavelmente cineastas pessimistas, cineastas da derrota. Godard dizia que se tivesse vencido, o cinema não seria como é. Não tinha como ganhar, mas também não tinha como não lutar. A revolta existe para tornar a luta plena. Se rebelar contra a vida, é triunfar sobre ela. É perdendo que triunfam, porque é na finitude que a vida do homem absurdo se torna plena e completa.
SEM TÍTULO (Robbinson Jeffers)
Isso quase anula meu medo da morte, minha querida disse,
Quando penso em cremação. Apodrecer sob a terra,
É um fim repugnante, mas rugir em chamas – além do mas, já estou acostumado,
Tenho ardido de amor e fúria tantas vezes em minha vida,
Não é de se admirar que meu corpo esteja cansado, não é de se admirar que ele esteja morrendo.
Tivemos grandes alegrias com meu corpo. Espalhem as cinzas.