Noites alienígenas

por Álvaro André Zeini Cruz

(com spoilers)

Quando Paulo (Adanilo Reis) tem um raro instante com o filho, o menino traz um “OVNI” para a cena — um boneco do Homem de Ferro. Esse pedaço de plástico titubeia na margem inferior do quadro, mas é também a linha que amarra esse lampejo cênico entre pai e filho: “Quem é esse? É o homem de ferro? É?”, pergunta o homem de carne ensanguentada à criança, que se desvencilha do colo paterno inabitual, pouco presente. Ironicamente, o super-herói da Marvel voa do CGI que mais captura salas de cinema para servir de intruso à cena deste debute do cinema acreano no circuito comercial. Uma anunciação alienígena em um filme que começa com uma espaço-nave grafitada.

Na cena, Paulo sangra na casa de Sandra (Gleici Damasceno) depois de apanhar de Rivelino (Gabriel Knoxx). Os três são amigos de infância; Sandra tem um filho com Paulo e um romance com Rivelino, mas se pergunta — “onde foi que a gente se perdeu?”. Paulo a revê na noite que antecede seu reencontro com Rivelino; a noite seguinte, quando se perderão em definitivo.

No último dia que os separa, Rivelino troca a “boca” de Alê (Chico Diaz) por outra, cheia de meninos armados. As mães buscam ajuda: Marta (Chica Arara), mãe de Paulo vai ao culto; Beatriz (Joana Gatis), mãe de Rivelino, procura Alê, o traficante respeitador de códigos morais, indisposto à ilicitude bárbara. Há que se manter alguma civilidade, pensa esse sujeito, que dirige uma banheira antiga e vive numa casa com alpendre, com vista para a rua. É esse traficante-coronel quem percorrerá os grafites psicodélicos em busca de Rivelino, nessas noites em que o mundo parece outro, ainda mais periférico, ainda mais isolado.

Rivelino e Paulo se reencontram; um com a arma, outro com os joelhos no chão. O menino negro aponta para o menino indígena, cujo rosto é sobreposto por órbitas luminosas. Poderiam vir das mãos do Homem de Ferro ou de algum filme de Spielberg (Contatos Imediatos, E.T.), mas são flares gerados pelos faróis do carro, que cerca esta clareira onde o que há de mais parecido com um disco voador é a caixa d’água do Palheiral; onde o que há de mais maravilhoso é a recusa de Rivelino.

Nas jornadas das mães, Beatriz só conta com Alê, esse homem do passado, predador ultrapassado por um mundo ainda mais predatório. Marta entende que as palavras do pastor não bastam. Busca, então, outra mãe: a dela, que traz a ancestralidade Caxinauá, o rito, a cura, o reencontro entre mães e filhos sob uma luz solar enevoada que penetra pela copa das árvores, pela floresta. Sentenciado à morte por não ter matado, Rivelino não reencontra a mãe, que protagoniza um último plano de luzes e sombras: o sol aqui arde sobre os cabelos de Beatriz, que acende as luzes néon da jukebox e os primeiros acordes de “Porto Solidão”, que remetem a uma “Ave Maria” tecno brega. Agarrada a Alê, ela dança, espasma, se ancora, sofre pelo filho que lhe foi tirado nessas Noites Alienígenas. O letreiro que finda o filme e revela os “aliens” diz: “desde a invasão das facções criminosas do Sudeste do Brasil à Amazônia, aumentou em 183% o assassinato de crianças e jovens nos últimos dez anos no Estado do Acre”.

Em Noites Alienígenas, os extraterrestres são dos que matam. E eles vêm daquela região que se vê como motor civilizatório do país. Dos que se crêem homens de ferro.