por Álvaro André Zeini Cruz
Movie of the week, de Peter Bogdanovich, me fez voltar à Sinfonia de Paris, de Vincente Minnelli, depois de uma década. Eu, que revejo Meet me in St. Louis anualmente, tinha este como um Minnelli menor, ainda que discorde dos Cahiers (para quem Minnelli era um bom artesão) e de Andrew Sarris (para quem Minnelli era um bom estilista). Minnelli é um gênio do melodrama (basta ver Chá e simpatia), dos musicais (“You and I, Together, Forever”), mas também das coreografias mínimas, em que organiza mais do que os corpos, mas as tensões entre eles, os vetores, os olhares, o que é quase invisível. No caso de Sinfonia em Paris, isso ocorre em duas cenas de mesas, muito mais singelas do que o intrincado jantar em Meet me in St. Louis.

Na primeira, Minnelli filma nada menos do que o amor à primeira vista. Jerry (Gene Kelly) acompanha Milo Roberts (Nina Foch), sua mecenas, a uma festa. Eles circulam entre os corredores apertados das mesas quando, acidentalmente, Jerry esbarra em Lise Bouvier (Leslie Caron). Ela o encara, sorri e senta-se à mesa, enquanto Jerry segue para a mesa ao lado (em primeiro plano), embasbacado. Puxa uma cadeira e se coloca no vão entre dois personagens, posicionado para, sempre que possível, olhar Lise a partir de uma tensão diagonal, que vai do primeiro plano ao midground, contrariando toda a organização cênica. Esse olhar que luta contra a corrente – encadeada nos outros olhares, no fluxo dos corpos, na disposição das mesas – antecipa as dificuldades múltiplas que se colocarão ao romance a partir do tema “gratidão não é amor”. Quando Jerry se livra dos demais acompanhantes, sente-se livre para gesticular seu encantamento: dando as costas para câmera, apoia a mão sobre o queixo caído, numa pose de contemplação romântica. A retribuição a esse olhar se dá num átimo, mas a linha invisível trabalhada pela mise en scène faz com que, mesmo ligeira, mesmo no plano aberto, a expressão de Leslie Caron atravesse a imagem.


Se Milo atravanca o romance de um lado, Henri (Georges Guetary) é o rival incógnito ao protagonista, descoberto por Oscar (Adam Cook), que é amigo dos dois, numa cena em que o humor se dá justamente no contraste corporal entre a dupla iludida e este que sabe a verdade e está ao centro da mesa. Ao passo que Jerry e Henri conversam, com sorrisos largos, sobre as maravilhas do amor (ignorantes de que amam a mesma mulher), a expressão de Oscar vai derretendo como cera pálida, opondo-se sobretudo ao corado Kelly, que dança com o rosto, mesmo estando sentado. Oscar protagoniza uma série de parvalhices envolvendo xícaras de café, cálices de brandy e cigarros que, quando se acendem, teimam em se apagar. Então, Henri declara que o único porém é se um estiver apaixonado e o outro não, e conclui: “After that, it is all mechanics”. Enquanto isso, Minnelli faz graça justamente com a mecânica de se estar à mesa, culminando as trapalhadas de Oscar com a réplica ressignificada de um gesto que retorna: pose romântica no caso de Jerry e Henri, o apoiar do rosto sobre a mão torna-se desolamento diante da confusão iminente, no caso de Oscar. Depois da graça “grotesca” das gags, da falta de modos à mesa contrastando com o romantismo alienado, resta a graça harmoniosa da música em jogral e da coreografia que modula imitações e desencontros. Wonderful, marvelous, diz a letra.