por Álvaro André Zeini Cruz

Ao longo dos anos, Friends tem sido um exemplo recorrente em minhas aulas, seja para abordar a direção no sistema multi-câmera ou a cenografia em sitcom. Isso, claro, por causa do apelo e relevância da série nesse gênero televisivo, mas, sobretudo, porque havia uma pilastra no meio do caminho. Sim, havia. Depois tiraram. Agora, recolocaram o pilar decorativo (pois se o tiraram uma vez é porque não sustentava nada) na reconstituição do set feita para o reencontro dos protagonistas. Esse reaparecimento – que coroa os “res” usados desde a última frase – é notado por David Schwimmer e Lisa Kudrow logo nos primeiros minutos de Friends Reunion, quando lembram que a estrutura arquitetônica costumava atrapalhar a visão das câmeras diante do elenco em cena. Fato é que a coluna de madeira em primeiro plano era um erro crasso para esse tipo de cenografia, uma vez que não só velava inadequadamente os atores, como, por vezes, produzia sobreenquadramentos claustrofóbicos, pouco afeitos à descontração espacial que o sitcom demanda. Seja por escolha ou lapso, a volta do pilar simboliza algo que está no centro do especial produzido pela HBO: as reconstituições serão sempre uma outra coisa.
Essa “imprecisão” espacial – que opta por capturar e reproduzir a cenografia inicial (ou seja, da primeira temporada) – desconsidera a inexistência da coluna ao longo das outras nove temporadas; consequentemente, ignora a solução de um problema descoberto no dia a dia das gravações. Faz, portanto, um registro instantâneo, que vai de encontro à fala dos atores. Eles rememoram e estabelecem uma tensão, que é o que há de mais rico – e mais evidente – neste reencontro: se restaurar um espaço é desafiador, reconstituir o tempo é uma impossibilidade. Esqueçam o momento talk show apresentado por James Corden e os depoimentos dos fãs sobre a importância de Friends em suas vidas; o que interessa aqui são os corpos e as vozes desses seis atores – todos agora na casa dos cinquenta – que rememoram uma série sobre jovens adultos em NY.
Nesse sentido, o retorno ao Central Perk e ao icônico apartamento rendem bons momentos, que explicitam esse paradoxo do “é e não é”. Contudo, o ápice dessa contradição dispensa as tapadeiras e a mobília cenográfica: se dá quando, sentado ao redor de uma mesa (colocada no estúdio, mas fora dos limites do cenário), o elenco faz uma leitura interpretada de cenas marcantes. São momentos em que um travelling circular age espacialmente, interligando os atores à medida que revela rostos e expressões sublinhados pelo espaço raso. A montagem, por sua vez, alterna planos conjuntos e closes com pouca profundidade de campo enquanto atua numa intersecção temporal mais complexa, que intercala o ensaio recente com as cenas que foram ao ar. Os atores buscam a motivação e o tom impressos nas cenas primeiras, mas além de não se reconstituírem no espaço-tempo, as reencenações são complementadas pelas originais (por isso, colocadas em contraste). Assim, Ross, Rachel, Monica, Chandler, Joey e Phoebe despontam em duplicidade, pelas imagens e sons de outrora e de agora, em que assumem rostos marcados (entre rugas bem aceitas e procedimentos estéticos), cabelos grisalhos, vozes mais graves ou anasaladas. Novamente, são e não são, pois ressurgem dos atores para se colocarem não mais sobre eles, mas ao lado, salientando essa existência dupla descolada pelos anos.
Ao final, quando Kudrow usa a idade para justificar que não faria sentido reviver Phoebe como uma senhora amalucada, tem certa razão no que diz. Não pela impossibilidade de se ter uma personagem de cinquenta anos como Phoebe – Lily Tomlim faz maravilhosamente uma Phoebe septuagenária em Grace & Frankie, da mesma Marta Kauffman de Friends –, mas pelo que a série era e é: um retrato da passagem dos 20 aos 30. Nesse sentido, Friends é um caso bastante diferente de sua contemporânea Will & Grace, que teve um revival recente: o sitcom de David Kohan e Max Mutchnick baseava-se na situação de um homem gay que vive uma espécie de casamento com sua melhor amiga hétero; conflito que pode ser realocado ao tempo atual dos atores/personagens. Em Friends, ser jovem adulto na NY do fim do milênio é a própria situação da comédia; portanto, um revival só faria sentido se contornasse o mero pastiche saudosista e manobrasse a nostalgia em prol de uma paródia afetuosa, que demonstre que jovens adultos também envelhecem. Esse é o pilar de Friends Reunion; o resto é decoração e perfumaria.
Em cartaz na HBO Max.