por Álvaro André Zeini Cruz

Edna prende os cabelos num coque, e os fios finos, quebradiços – mas com volume – atam um nó, esta dobra primitivamente indelicada, violenta por si só. Posto em detalhe, o gesto do nó toma a tela. É a partir dele que um paradoxo se firma: o documentário de Eryk Rocha desata som e imagem.
Edna nasce e vive dessa contradição: a protagonista fala quase todo o tempo, mas a emissão das palavras acontece num sussurro monocórdico, acentuando a discrepância entre a voz e o chiaroscuro das imagens. Assim, o discurso que parte das cordas (vocais) é uniforme, mas os fios imagéticos delineiam brancos estourados e sombras silenciosas ao redor de um corpo-estilhaço que mostra mais do que conta. Nesse sentido, a voz pode até alinhavar tramas e saberes, mas é o corpo que costura o invisível em vincos, rugas, pelos, olheiras, olhares. Se a granulação é uma textura corroborada pelo P&B, aqui são os fios, as linhas – ou seja, o preenchimento entre os pontos – que enchem as imagens. Dos cabelos de Edna passa-se às linhas dos cadernos e das letras. Entre elas, há o mato alto, os pêlos dos bois, os limites das estradas, à superfície estriada do Araguaia.
Edna e o Araguaia concatenam-se e contradizem-se numa suavidade severa, tal qual os olhares que ela lança à câmera. Em um deles, o filme desata de novo; dos tons aos matizes, a revelação dos cabelos grisalhos, infiltrados entre os fios louros desbotados, que se afinam à cor recém-chegada. O regime dos contrastes se altera e se mantém: a aridez permanece na textura dos amarelos e azuis complementares, que culminam no plano de Edna contra o ipê-lápide. Ao redor desses dois corpos – a mulher dos closes de outrora, agora diminuta diante da imensidão da árvore –, um clarão se impõe. No filme de Eryk Rocha, a luz é o som e a fúria que contradiz o que a voz fala e revela o que ela esconde.