E agora, quem poderá nos defender?

por Álvaro André Zeini Cruz

Vi, há coisa de uns meses, o novo Homem-Formiga e a Vespa, que me tomou alguns dias. Isso porque serializei a nova aventura dos super-heróis microscópicos, e não porque quisesse dilatar a espectatorialidade para postergar qualquer prazer de passear pelo mundo quântico, mas porque dormi reiteradamente. Mais grave: o primeiro cochilo me arrebatou após a breve participação de Bill Murray. Acordei preocupado: quem dorme após uma cena de Bill Murray? Estaria eu cometendo uma desfeita grave ao sujeito que fez Caça-Fantasmas e Encontros e Desencontros?

Ora, se cedi ao sono, é porque podia, porque a “imersão” nesse espetacular mundo quântico é espetacular na etimologia; aquilo que se apresenta à vista, salvaguardando quem assiste dos perigos da diegese, mas não nos protegendo das ameaças internas, como o cansaço. Talvez a exaustão do dia a dia tenha se alinhado a uma fadiga relacionada ao Marvel Cinematic Universe, no qual o mundo quântico se assemelha muito às galáxias onde acontecem as histórias dos Guardiões. Aliás, vi também o terceiro filme da trupe: divertidamente mais do mesmo, mas com Bradley Cooper mais empolgado sob a computação de guaxinim do que Paul Rudd, que outrora trouxe frescor ao universo dos heróis, mas que, agora, salva o (micro)mundo no piloto automático, mais sonolento do que eu, como quem cumpre cláusulas contratuais e aproveita para reformar a cobertura (e não me espantaria se Evangeline Lilly voltasse a falar de aposentadoria, como na época de Lost).

Quando finalmente terminei a minissérie Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, me peguei sob a pergunta — e agora, quem poderá nos defender?

Certamente, não Flash, que também — em minhas mãos, sob meu controle remoto — virou série. Sintomaticamente, o primeiro corte/gancho veio ainda mais rápido: a cena dos bebês arremessados numa combinação de CGI e slow motion me lembrou a boneca Nádia, um arremedo de Chucky que minha irmã tinha e que, inexplicavelmente, mantém até hoje entocada no armário. Se a Marvel parece ter caído num pastiche de si mesma, a DC nem a isso chega: a visualidade de Flash parece querer injetar elasticidade (botóx?) no CGI colorido-burlesco que fez de Aquaman um dos títulos mais interessantes da safra Liga da Justiça. O resultado é outro; um filme de superfícies estridentes, cuja visualidade do clímax lembra os games de ação dos anos 1990 (aqueles cujas demos vinham na Revista do CD-Rom). Lidando com tal material, não me espanta que Ezra Miller tenha virado um desses garotos problemas para Hollywood.

Permanecia a pergunta — e agora, quem poderá nos defender?

A resposta veio de outro inseto, ainda que não exatamente da maneira esperada: em Besouro Azul, o Chapolin Colorado surge como traquitana de uma peripécia episódica, uma das piscadelas nada sutis (Thalía!) em que eu filme expressa sua visão reducionista da cultura mexicana. Essa falta de sutileza, pelo menos, conversa com o melodrama, gênero marcante nas culturas latinas. Por sinal, é quando o filme deixa a comédia boboca — com cenas do tipo “test-drive dos poderes” — e assume um dos núcleos do melodrama, a família, que o Besouro (fora de cena) alça algum voo. É na união entre avó guerrilheira, mãe, irmã e Bruna Marquezine disfarçada de Tenente Ripley/Sarah Connor que o filme ganha alguma personalidade. Assim, mesmo restrito à piada, não dá para dizer que o Chapolin Colorado deixou a pergunta sem resposta, ainda que pouco adiante o carisma de Marquezine imitando Ripley, numa época em que nem Ridley Scott tem coragem de entregar um Alien. Tempo em que todos os alienígenas estão colonizados entre pontas quânticas e galácticas, seja na Marvel ou na DC.