Deadlock

por Álvaro André Zeini Cruz

No duelo decisivo de “Deadblock”, há um único cowboy. Até há outro homem em cena, um rapaz cujo terno moderno e maltrapilho destoa das caracterizações do western, mas a essa altura, ele já está no chão, derrubado não a balas, mas a tapas pelo detentor do chapéu. Nessa circunstância, a outra ponta desse embate é uma mulher; nada como as heroínas vividas Joan Crawford e Sharon Stone em “Johnny Guitar” e “Rápida e Mortal”, mas uma garota frágil e desarmada, uma espécie de Claudia Cardinale franzina e faminta. Ela passara o filme todo muda. E é contra ela que o malfeitor Sunshine investe.

Quando essa moça desponta ali, entre o limiar do fim do mundo e clímax de uma plot de mala de dinheiro, o rosto desse cowboy cruel se contorce. Junto a ele, a câmera. O clássico plano detalhe – rigoroso e horizontal – dos olhos apertados entre suor, carranca e chapéu não existe em “Deadlock”. Existe a descompensação do olho da câmera diante da loucura do olho-objeto, um único olho de Sunshine, pulverizado pela montagem num intercalar com – vejam só – a luz do sol. Aliás, seria mesmo a luz do sol, mais insistente aqui do que em noutros westerns, ou a luz de um projetor, que anuncia simbolicamente a saraivada de balas neste meta-western?

O sol é obsessivo porque não há teto de saloon, hotel ou prisão em “Deadlock”. Não existe rua ou cidade, apenas construções já devidamente esburacadas pelo tempo e pelas balas (buracos reiteradamente preenchidos pelos poucos olhos que espiam armados). Roland Klick parece entender esse espaço como distópico desde o princípio, uma vez que o avanço “civilizatório” ao Oeste sempre foi barbárie. Nessa perspectiva, os símbolos viram pó e os corpos não têm do que se nutrir; talvez por isso seja pouco o sangue quando o exploitation irrompe. Só depois que Sunshine extermina os poucos zumbis desse rincão é que o rapaz de terno se levanta. Desta vez, ganha a arma sem esforço; afinal, que outra força, além da cólera da obsolescência, pode ter um cowboy hoje em dia? O moço, então, parte em direção a esse horizonte inóspito, talvez a caminho do lugar onde agora se reúnem outros mortos-vivos. Esse corpo com terno bancário-cinza-esfarrapado contrasta com a silhueta de um cowboy de mentirinha, estátua que, com o braço dependurado, vela esse cemitério dos faroestes.

Em cartaz no MUBI.