Na escuridão

Por Phillippe de C. T. Watanabe

take-shelter

Um carro veloz andando por uma estrada escura. Feixes luminosos, como postes de luz que rasgam a escuridão, arrastam o carro para dentro de si de tempos em tempos. Qualquer época está na próxima porta. Qualquer janela se abre para outra vida. O sonho, o melhor DeLorean que conhecemos até agora, achata o mundo e nos cobre com ele, para, em seguida, tirar a cama que nos sustenta e deixar nosso corpo se espatifar de volta na realidade fria da manhã. A carona é sempre benquista, e, em O Abrigo, ela nos alerta sobre os perigos da estrada à frente.

O Abrigo (Take Shelter, 2011) conta a história da família formada por Hannah (Tova Stewart), Samantha (Jessica Chastain) e Curtis (Michael Shannon) que, vivendo em um meio quase rural, levam uma vida relativamente comum. O cotidiano começa a mudar com os pesadelos do pai, que passa a vislumbrar, durante o sono, catástrofes que continuam a atormentá-lo mesmo quando acordado. O cachorro da casa, no pesadelo, torna-se feroz e ataca Curtis, mordendo-lhe o braço e causando uma dor que ultrapassaa noite e o atormenta pelo resto do dia. A reação, , do protagonista é trancafiar o animal em uma cerca do lado de fora da casa. Quando, no sonho, Samantha aparece ameaçadora com uma faca, Curtis, ao acordar, não consegue nem mesmo deixar-se tocar por ela. Começa uma tempestade na vida da família, tormenta que cresce e se manifesta de forma literal nos sonhos da personagem.

As amedrontadoras nuvens escuras dos pesadelos fazem Curtis concentrar sua atenção e as finanças familiares em um abrigo de tempestades que se encontra nos fundos da casa. A dívida contraída e as atitudes estranhas levam a comunidade, Samantha e até mesmo o próprio protagonista a duvidar de sua sanidade. A crescente crise é mostrada, pelo roteirista e diretor Jeff Nichols, a partir do contato de Samantha e de Hannah com outras pessoas, e do isolamento cada vez maior de Curtis, que chega a perder o emprego, o melhor amigo e a confiança da própria esposa. Resta o abrigo.

O ponto de virada do filme ocorre quando começa a horrível tempestade presente nos sonhos de Curtis. A loucura, então, é colocada em perspectiva, e o tido como louco mostra ser o único realmente são. Shannon, dessa forma, veste novamente o papel feito em Foi Apenas Um Sonho (Sam Mendes, 2008), no qual interpreta um homem declarado clinicamente insano que aparenta ser o único a enxergar – ou a ter coragem de denunciar em voz alta – a realidade mesquinha, limitada e infeliz vivida por todos. O isolamento do protagonista parece uma estranha representação do clássico mito da caverna de Platão. Curtis, olhando para fora e depois para a própria sombra na parede, consegue, ironicamente, enxergar que o único local seguro é a pequena caverna construída nos fundos da casa. Ele se torna o profeta louco e ignorado que grita em meio a um refeitório e alerta: “Durmam bem em suas camas, porque, se isso se concretizar, elas não existirão mais”.

A boa performance de Shannon puxa o filme para si. O medo da possível loucura é constante; de concreto, só a impossibilidade de resistir a ela, ao sentimento de insegurança e à necessidade de ação que vêm de dentro. A certeza da sanidade só voltará quando e se o pior acontecer. O tormento de toda incerteza quanto a si mesmo só passa no momento em que os olhos de Hannah e Samantha veem o mesmo que Curtis já via tempos antes. A derradeira tempestade chegou e eles estão – da melhor forma que é possível estar – prontos para ela.