por Álvaro André Zeini Cruz

Vi Chega de saudade no finado Unibanco Arteplex, do Crystal, um shopping de grã-fino, que, me disseram, anda às moscas, provavelmente porque os grã-finos migraram para algum outro shopping do bairro do Batel. Mas naquele tempo de Curitiba, era ali, ou no Luz, que podia-se contornar a programação do Cinemark ou do UCI (ainda que o UCI tivesse boas promoções no começo das tardes de dia de semana). Era ali que podia-se ver um Altman, um Lumet, ainda que, muitas vezes, entre os comentários de senhorinhas desavisadas, mas devidamente adornadas pelo brilho de grossos colares (eu sempre ficava com a pulga atrás da orelha, me perguntando se o peso daqueles colares, numa tarde de shopping, não era prejudicial à coluna).
Lembro de ter gostado do filme, ainda que o universo do clube de dança tenha permanecido mais do que a trama em si. O elenco tinha o peso das gargantilhas do Batel: Leonardo Villar, Tônia Carrero, Cassia Kiss, Beth Faria (que, como dizia uma amiga, estava a cara da Ítala Nandi, que estava a cara da Yoná Magalhães), além de Stepan Nercessian e Maria Flor, numa troca especialmente inspirada e na trama que melhor sobreviveu desde essa sessão de cinema. Talvez a permanência desse universo restrito (o salão) sobreponha a trama multiplot por conta do olhar detido que Laís Bodanzki lança ao espaço, detendo-se sobre os sapatos lustrados, bandejas de garçons, copos suados, a boca de Elza Soares.
É, na minha memória, o plano mais duradouro: a boca de Elza se impunha, ocupava a tela grande pelo plano detalhe; nítido, a princípio, mas que rapidamente perdia o foco, como se o olhar lutasse por sua hegemonia, contrapondo-se a essa boca que surge e periga roubar o filme. Tenta torná-la irreconhecível; a dúvida é se conscientemente ou se desorientado diante do que se coloca à vista. Fato é que o plano perde, gasta energia em vão; se seria difícil desvincular a boca calada do corpo, trapacear sobre a presença de Elza, quando a voz rouca desponta, mesmo de lábios que perdem o contorno, não há o que impeça a potência do plano nessa conjunção espaço-tempo-timbre: não deixe o samba morrer…
É uma imagem tão marcante, que engana: para mim, este era o plano-aparição de Elza Soares. Revisitando a cena, redescubro que ela é apresentada antes, entrando no palco em planos mais abertos, anunciada não como Elza, mas como Ana. Possivelmente, essa lembrança-logro se instalou porque a memória é traiçoeira, mas também porque ela se deixa enganar pelo o que é pujante, como é o caso dessa batalha estilizada entre olho e boca, entre quem vê e o que é visto. A fotogenia se apresenta como instante deslumbrante e enganador, capaz de impor uma nova ordem aos planos e à narrativa interiorizada como memória. Se Jean Epstein fala do rosto prestes ao riso, adapto-o para cá: a boca que se prepara para o canto é mais bonita do que o próprio canto. Imagem-faísca que se acende, reluz, brilha, permanece. E pesa.