por Nicole Menegasso

Há uma norma social de que um bom momento vem acompanhado de um bom vinho. Em Conto de Outono, essa premissa se materializa logo na cena de abertura, onde uma roda de conversa familiar gira em torno da qualidade do vinho de Magali — a amiga vinicultora de Isabelle —, que considera encomendar algumas garrafas para o casamento de sua filha. Rohmer, aos 78 anos, inicia sua exploração das relações na maturidade em um ambiente onde o vinho já estabelece um elo social e prenuncia como as conexões e os sentimentos dos personagens se desenvolverão ao longo da trama.
O Sul da França é o cenário dessa história, região com extensas vinícolas e onde o vinho escorre como a própria vida social. Na vastidão dos vinhedos ensolarados, encontra-se Magali, em contraste com a paisagem, carregada por um sentimento de solidão que a acompanha, apesar da atmosfera convidativa que a rodeia. É impossível separar a personagem de seu ofício. Sua vida segue o ritmo da natureza: poda, crescimento das uvas, colheita. Essa conexão com a natureza e seus ciclos se reflete na forma como ela encara a vida e, talvez, seus relacionamentos — com uma certa paciência e um reconhecimento dos tempos certos para cada coisa.
Tal estilo de vida, mais reservado, faz com que Magali rejeite prontamente a ideia de Isabelle de procurar um namorado por meio de um anúncio no jornal. Mais proativa e moderna, Isabelle decide agir por conta própria e, em uma escolha moralmente questionável, publica o anúncio se passando por Magali. Marca um encontro com um pretendente e bola um plano para que os dois se conheçam de maneira “espontânea”, como a amiga acredita que deveria ser. Concomitantemente, Rosine, nora de Magali, também tenta unir a sogra a alguém — seu ex-namorado e professor, Étienne. Apesar de terem idades próximas, os dois não compartilham afinidades.
Tem algo até um pouco mais interessante na armação de Rosine, já que, diferente de Isabelle, não foi algo feito a partir da enganação de nenhum dos lados. A personagem mais jovem da trama age muito mais por impulso, com certa ingenuidade e egoísmo, bolando o plano perfeito de juntar sua “pupila” e seu ex-mais-velho-mal-resolvido, Étienne — como se juntar dois outros pudesse ajudá-la a se afastar emocionalmente dele.
Como não poderia deixar de ser, o ápice do filme ocorre em uma festa regada a vinho, onde as armações se cruzam de forma caótica. O encontro ‘espontâneo’ armado por Isabelle até funciona com Magali de início, mas a proximidade excessiva que observa entre ela e Gérald na festa levanta suas suspeitas. Desconfiada, Magali torna-se ríspida com Gérald por tentar enganá-la.
Também há o encontro desastroso entre Magali e Étienne, que, ao contrário do que se imaginava, não desperta interesse mútuo. Dessa vez, a decepção não veio por parte de Magali, e sim de Rosine, ao perceber que seu professor voltou sua atenção a outra aluna — mais uma vez reforçando o padrão de comportamento que ela própria tentava ignorar.
Nesse cenário pós-festa, onde o vinho talvez já não flua com a mesma despreocupação inicial, os personagens se veem diante das escolhas que definirão seus futuros amorosos, cada um à sua maneira, buscando uma forma de conexão mais genuína e menos dependente de artifícios. A desconfiança de Magali em relação a Gérald, plantada pela artificialidade do encontro, cria uma barreira difícil de transpor, colocando em xeque a possibilidade de um relacionamento construído sobre uma premissa enganosa. Para Rosine, a confirmação do padrão de comportamento de Étienne a força a confrontar suas próprias ilusões e a repensar seus sentimentos.
No fim das contas, é um tudo certo, nada resolvido. Não existe um final feliz, afinal, estamos falando de Rohmer. Contrariando grande parte da sua filmografia, para encerrar a tetralogia Contos das Quatro Estações, o diretor escolhe personagens mais velhos como protagonistas, mas não os apresenta como seres que alcançaram a plenitude da sabedoria. Pelo contrário: são indivíduos ainda em transição, amadurecendo, fermentando, como o vinho que flui — e, às vezes, embriaga — essas vidas.