Alive Inside

Por Bruno Colombo Gatto

14114561_1804659739769120_1636501956_o

Como diria um amigo, “a música causa uma enorme abstração”. O documentário Alive Inside, de Michael Rossato-Bennett, traz à tona essa ideia, bem como a da música como algo essencial à vida humana.

No filme, conhecemos Dan Cohen, assistente social que conta com o auxílio do neurologista Oliver Sacks para um projeto em casas de repouso estadunidenses: levar iPods a idosos com suas canções favoritas da juventude e, com isso, buscar entender como a música retumba em nossos cérebros, desengavetando memórias há muito tempo empoeiradas e esquecidas. Mais do que isso: ajudando a aplacar doenças que afetam a mente e o comportamento humano. Contudo, Bennett vai além na abordagem de seu documentário, levantando questionamentos acerca da eficiência de terapias estritamente medicamentosas, impessoais, mas, corriqueiras no tratamento de tantos idosos em situação de abandono familiar ou solidão (modus operandi que se repete em muitas instituições de cuidado aos mais velhos).

Durante o filme, somos apresentados a pacientes com Alzheimer, transtorno de bipolaridade ou até mesmo figuras afundadas em realidades particulares que se desvinculam dos acontecimentos que as cercam. Dentre elas, há um senhor chamado Henry, que, em estado catatônico, mal reconhece a filha ou tem consciência de seu próprio desarranjo mental. Seres humanos são colecionadores de lembranças e buscam viver e presenciar grandes momentos; a música, portanto, acompanha a vivência das pessoas agindo não apenas como estímulo ao cérebro ou ao corpo, mas também como um elemento capaz de criar conexões sentimentais mais profundas com outras pessoas, com determinados lugares, ocasiões ou épocas marcantes da vida. É interessante observar a mudança de semblante e a expansão do olhar de Henry, que, após ouvir música pelos fones de ouvido, demonstra enxergar algo que estava dormente havia um tempo. A música está invariavelmente ligada às emoções e estas são atreladas às memórias. Ao término da execução de algumas canções, Henry e outros pacientes adquirem momentos de lucidez, relembrando detalhes ou revivendo lugares de tempos passados de suas existências, assim como a retomada de artistas e grupos musicais que ouviam quando eram jovens.

Os grandes momentos do documentário são essas visíveis mudanças de ânimo dos idosos após apertarem o “play” de seus dispositivos ou por meio da apresentação de Samite Mulondo (musicista integrante da Musician of Harmony World, organização que acredita no poder de cura da música para trazer paz, harmonia, saúde e empatia em zonas de conflitos ou com enfermos) e se deixarem invadir com as melodias e ritmos do que estão ouvindo. Através da câmera na mão, é possível ver os corpos dançantes, os sorrisos que se abrem e olhos marejados acompanhados de vozes tímidas, que cantam as alegrias mais sinceras.

Por meio de depoimentos de médicos psiquiatras, psicólogos, diretores executivos e enfermeiros das instituições, constrói-se a ideia de casas de repouso mesclada a hospitais. Hoje habitadas quase que exclusivamente por velhinhos doentes, elas podem até terem se tornado uma solução para o sistema de saúde estadunidense, mas continuam negligenciando um ideal de bem estar para idosos que precisam apenas de amparo social e humano. Há uma crítica ferrenha ao modo como essas instituições focam demasiadamente os problemas fisiológicos ou como exageram o uso de medicamentos antipsicóticos, e negligenciam a parte humana dessas pessoas, como se fossem organismos vazios de sentimentos e histórias e que, apenas esperam o ciclo final de seus relógios biológicos.

Nesse contexto, a música entra como um tratamento alternativo revigorante que fornece rotinas mais alegres e leves, juntos com a sensação de acolhimento ao evocar os bons tempos passados através das lembranças, esmorecendo as dores da alma desses idosos mesmo estando confinados em quartos e corredores padronizados e assépticos.

A produção traz diversos entrevistados que vivenciam de várias formas o cotidiano desses lares de repouso, porém, além dos depoimentos de profissionais que corroboram para os assuntos abordados e problematizam, de forma justa, esse tema tão delicado do bem estar na velhice, as imagens dos idosos e pacientes são os trechos mais tocantes. O longa tem o intuito de emocionar (o que não é demérito mesmo no escopo documental) e constrói, a partir dessa premissa, cenas que se antagonizam de momentos de uma inércia melancólica para os de alegria resgatados pela música. Em planos abertos, mostram-se salas e corredores povoados por pessoas solitárias em camas, cadeiras de rodas ou sofás em frente à TV. A câmera faz o uso de closes para captar detalhes, tanto de semblantes indiferentes dos idosos e de pacientes que estão confinados em cotidianos monótonos, como dos toques das mãos, da leveza dos olhares e das expressões faciais que se modificam quando estão com os fones de ouvido. Visualmente, a fotografia é pouco contrastada entre luz e sombra, as imagens são claras e sutilmente amareladas, transmitindo serenidade. A trilha sonora segue o mesmo viés, ao som de piano e cordas, as músicas são minimalistas com melodias leves e inseridas em pontos específicos, como panos de fundo para as narrações e para alguns depoimentos. Esses fatores audiovisuais fazem de Alive Inside uma produção que não apela para sensacionalismos, mas que mesmo assim, apresenta como proposta tocar de alguma forma a alma e a consciência do espectador. O documentário lança luz sobre um caminho que busca uma qualidade de vida menos sofrida, nos deixando positivos sobre nossa capacidade humana de amor, solidariedade e cuidado mútuo, reverenciando a música como algo que nos é intrínseco e nos permite a emersão do que possuímos de melhor.