por Álvaro André Zeini Cruz

Entre os batentes que a emolduram, Diana posa no contraluz que estoura de uma janela; na cena, a princesa questiona a ausência da única funcionária palaciana que tinha como amiga, e a composição permanece durante o breve diálogo em campo e contracampo. É tempo o bastante para que este se torne o plano síntese do filme da Larraín. A iluminação não só destaca Diana do espaço, como contorna os cabelos louros, coroando a princesa com uma aura a um só tempo virtuosa e trágica. Kristen Stewart sustenta sua versão que soma e torce todas as outras representações de Diana, com postura e gestos imitados para além da reprodução realista. Mas a câmera de Pablo Larraín não se contenta, tampouco se contém; se aproxima num travelling in supérfluo, uma vez que Stewart, sozinha, regia o plano. Mesmo vagaroso, controlado, elegante, o movimento é uma intrusão que explicita, na síntese, a antítese que atravessa Spencer: Stewart sabe o que faz e faz com coesão; Larraín, não.
A Diana de Stewart encarna a consciência de que não é a primeira, nem será a última representação de uma personagem que é historicamente recente e vítima de uma mediatização que sobrevive. Diante disso, embrulha e embaralha todas as Dianas, as conhecidas e as possíveis, seguindo não por uma diluição dos gestos reconhecíveis em prol de alguma originalidade (como busca Emma Corrin em The Crown), mas optando pelo oposto; pela repetição das características mais marcantes, por vezes, pela potencialização destas. Mais do que qualquer outra, a Diana de Stewart olha para baixo para erguer o olhar ocasionalmente quando escancara um misto de vulnerabilidade, fúria e dor. Mais do que qualquer outra, a Diana de Stewart junta as mãos e encolhe os ombros, que lutam com as ombreiras dos figurinos, contraditórias. A Diana de Stewart pronuncia as palavras de supetão, talvez pressionada pela pompa, pelas aparências e costumes antiquados, talvez pressentindo a tragédia final, aquela que daria fim a tragédia de seus dias.
Se Stewart mergulha numa depuração que retira o naturalismo, costurando um mosaico evidente (mas bem suturado) de posturas, olhares e gestos icônicos de Diana, a direção de Larraín tenta um alinhavo, mas acaba frouxa e sem unidade. Pois se o desejo de Diana (reiterado em várias representações) é ser vista para além do título e dos problemas que representa aos rituais Reais – ou seja, é ser vista como mulher e ser humano –, o mínimo que se esperaria é alguma frontalidade de quem a vê. Larraín, no entanto, não sabe se a canoniza ou se a oprime, se sente por ela deslumbramento ou pena, não sabe sequer se a persegue ou se guarda distância. Nessa indecisão de registros, o diretor impulsiona travellings que remetem à opulência dos de The Crown, mas, como se tomasse consciência de um ato-falho, desiste no meio do caminho. Às vezes, pende à ironia estilística proposta por Sofia Coppola no retrato da realeza francesa; outras, parece filmar Diana da mesma maneira que fez com Jacqueline Kennedy.
Entre música e montagem austeras, os melhores momentos são breves (a brincadeira noturna com os filhos, a conversa na praia), quando não, fiapos: o espelho descompensado que sustenta a imagem de um manequim, os homens com bandeiras vermelhas entre as árvores tomadas por musgos, o perfil impressionista e fulgás de Diana em meio à escadaria externa, enquanto Elizabeth se afasta. Se a visão turva de Larraín restringe esses instantes, por outro lado, o torna obcecado por certas imagens, como o detalhe da bola de bilhar, o slow motion das pérolas, o vestido cujo tule se esparrama pelo chão enquanto a princesa bulímica se debruça sobre a privada (e aqui há o lampejo do cineasta titereiro, que rege as cenas tendo como destino a estilização da degradação). É possível que essa cegueira parcial seja sintoma das únicas constantes provenientes da direção: a luz difusa, que, ingenuamente, parece tentar lavar e diluir a suntuosidade das arquiteturas (em vão), e a crença de que Spencer tem um cineasta-autor. Contudo, o homem por trás da câmera não vê que o tule aberto pelo piso é uma bobagem se comparado ao ínfimo momento em que esse mesmo tule roça uma casinha de bonecas. Prefere impactos causados por simbolismos certeiros e pouco sutis, como a panorâmica que revela o espantalho vestido de Diana.
Talvez a boneca composta em gestos maquínicos por Kristen Stewart seja tão desconcertante que o cineasta coloque a si mesmo em alta conta como um gênio criador, quando, na verdade, deveria se restringir ao papel de artesão. Porque se há uma autora em Spencer, é Stewart, essa Diana-Pinóquio que esbarra reiteradamente no espantalho de seu diretor. Por melhores que sejam suas intenções, Larraín acaba por ser um homem com espírito formalista, menos no sentido de quem dá forma do que naquele de quem enforma, tolhe, restringe. Um verdadeiro espírito monárquico.